Uma das mais importantes datas para a Igreja Católica, a festa de Corpus Christi, é celebrada 60 dias após a Páscoa, numa quinta-feira. Na manhã de quinta-feira, houve programação com missa e procissão na Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e também na Comunidade Católica São Vendelino, de Forqueta. O reitor do Seminário Sagrado Coração de Jesus, de Arroio do Meio, explica sobre a origem da data e seu significado. Confira na entrevista abaixo:
O Alto Taquari – Qual o significado da festa de Corpus Christi?
Pe. Rafael Toillier – O nome vem do latim e significa Corpo de Cristo. A festa de Corpus Christi tem por objetivo celebrar solenemente o mistério da Eucaristia – o sacramento do corpo e do sangue de Jesus Cristo.
Sua história tem início no final do século XIII. Surgiu em Lieja, Bélgica, um Movimento Eucarístico cujo centro foi a Abadia de Cornillon, fundada em 1124. Este movimento deu origem a vários costumes eucarísticos, como, por exemplo, a exposição e bênção do Santíssimo Sacramento, o uso dos sinos durante sua elevação na missa e a festa do Corpus Christi.
Foi por meio de Santa Juliana de Mont Cornillon, naquela época priora da Abadia. Nascida em Retines, perto de Liège, Bélgica, em 1193. Ficou órfã muito pequena e foi educada pela freira agostiniana em Mont Cornillon. Quando cresceu, fez sua profissão religiosa e mais tarde foi superiora de sua comunidade. Morreu em 5 de abril de 1258, na casa das monjas Cistercienses, em Fosses, e foi enterrada em Villiers.
Desde jovem, Santa Juliana teve uma grande veneração ao Santíssimo Sacramento. E sempre esperava que se tivesse uma festa especial em sua honra. Este desejo se diz ter intensificado por uma visão que ela teve da Igreja Católica, sob a aparência de lua cheia com uma mancha negra, que significa a ausência dessa solenidade.
Juliana comunicou estas aparições a Dom Roberto de Thorete, o então bispo de Lieja, a Dominico Hugh, mais tarde cardeal legado dos Países Baixos, e a Jacques Pantaleón, nessa época arquidiácolo de Lieja e mais tarde Papa Urbano IV.
O bispo ficou impressionado e, como nesse tempo os bispos tinham o direito de ordenar festas para suas dioceses, convocou um sínodo em 1246 e ordenou que a celebração fosse feita no ano seguinte. Ao mesmo tempo, o papa ordenou que um monge, de nome João, escrevesse o ofício para essa ocasião.
Naquela mesma época, em 1263 (ou 1264), aconteceu o famoso Milagre de Bolsena: o sacerdote Pedro de Praga fazia peregrinação indo a Roma. Nessa viagem, parou para pernoitar na vila Bolsena, não longe de Roma, e se hospedou na Igreja de Santa Catarina. Na manhã seguinte, foi celebrar uma missa e pediu a Cristo que tirasse as dúvidas que ele tinha em acreditar que Jesus estava presente na Eucaristia. Era difícil para ele acreditar que no pão e no vinho estava o corpo de Cristo. Na hora em que ergueu a hóstia, esta começou a sangrar (sangue vivo). Ele, assustado, embrulhou a hóstia e voltou à sacristia e avisou o que estava acontecendo. O sangue escorria, sujando todo o chão no qual apareciam vários pingos. Isso foi informado ao Papa Urbano IV, que estava em Orvieto, que mandou um bispo a essa vila verificar a veracidade de tal fato. O bispo viu que a hóstia sangrava e o chão, o altar e o corporal (toalha branca do altar) estavam todos manchados de sangue. O bispo pegou as provas do milagre e voltou para mostrar ao papa. O papa, entretanto, sentiu algo estranho e resolveu ir ao encontro do bispo. As carruagens se encontraram na Ponta do Sol e o papa desceu de sua carruagem e ao ver todas as provas do milagre ajoelhou-se no chão e se dobrou sobre aquela hóstia sangrando e exclamou: “Corpus Christi (Corpo de Cristo)!” A venerada relíquia foi levada em procissão a Orvieto em 19 junho de 1264.
Em 1264, o Papa Urbano IV através da Bula Papal “Trasnsiturus de hoc mundo” de 8 setembro estendeu a festa para toda a Igreja, pedindo a Santo Tomás de Aquino que preparasse as leituras e textos litúrgicos que, até hoje, são usados durante a celebração.
Compôs o hino Lauda Sion Salvatorem (Louva, ó Sião, o Salvador), ainda hoje usado e cantado nas liturgias do dia pelos mais de 400 mil sacerdotes nos cinco continentes. A procissão com a hóstia consagrada conduzida em um ostensório é datada de 1274. Foi na época barroca, contudo, que logo se tornou um grande cortejo de ação de graças.
Até hoje, ainda existem essas provas do acontecido. Em Orvieto conserva-se o corporal, onde também se pode ver a pedra do altar de Bolsena, manchada de sangue.
AT – Qual é o verdadeiro significado de enfeitar ruas, casas e procissão?
Pe. Rafael – Como forma de manifestação, como aparece também na biulbia o povo manifestando a sua fé e o seu respeito, como quando Jesus entra em Jerusalém e é acolhido com ramos e pessoas que estendiam seus mantos para Jesus passar. A partir desta primeira procissão com a relíquia do Milagre de Bolsena, as pessoas fazem as suas manifestações de fé.
No Brasil a tradição de enfeitar as ruas surgiu em Ouro Preto, cidade histórica do interior de Minas Gerais, pelos açores que mantinham o costume de enfeitar as ruas com flores e folhas. O barroco enriqueceu esta festa com todas as suas características de pompa. Em todo o Brasil, esta festa adquiriu contornos do barroco português. Corpus Christi é celebrado desde a época colonial com uma profusão de cores, música e expressões de grandeza.
No Brasil, a tradição de se fazer os tapetes de ruas acontece em inúmeras cidades, geralmente com voluntários que começam os preparativos dias antes da solenidade e varam a noite trabalhando.
AT – Considerando que a data é uma das mais importantes para a Igreja Católica, que reflexões que a comunidade deveria fazer a partir desta?
Pe. Rafael – A celebração de Corpus Christi consta de uma missa, procissão e adoração ao Santíssimo Sacramento. A procissão lembra a caminhada do povo de Deus, que é peregrino, em busca da Terra Prometida. No Antigo Testamento esse povo foi alimentado com maná, no deserto. Hoje, ele é alimentado com o próprio corpo de Cristo.
A festa religiosa é uma oportunidade para a prática da solidariedade. Neste dia, os fiéis têm costume de fazer doações, depois revertidas para as famílias necessitadas ou obras sociais mantidas pela Igreja.
Isto vem do gesto de Cristo que se doa, e reflete para a humanidade que deve agir de modo semelhante, na partilha e na solidariedade. Como modo de doação, convida-se para que haja o gesto da doação, seja de comida ou de vestuário. Se em casa eu possuo algum produto alimentício que esteja estocado e possa vir a estragar, essa comida com certeza seria bem-vinda para quem está com fome. Às vezes aquela roupa empilhada no armário, acalentaria o frio que muitos passam.
Estes gestos, certamente não vão salvar o mundo, mas são um começo para mudança, hoje vive-se de modo muito individualista e de egoísmos. Estes gestos convidam para uma mudança. É preciso ter consciência: felicidade não é estar no conforto, mas que ser feliz é poder confortar aqueles que precisam. Este é o gesto de doação de Cristo.
AT – A solenidade de Corpus Christi expõe a Eucaristia como presença real de Cristo. Andar em procissão é uma exposição pública da fé?
Pe. Rafael – Sim. A procissão lembra a caminhada do povo de Deus, que é peregrino, em busca da Terra Prometida. No Antigo Testamento esse povo foi alimentado com maná, no deserto. Hoje, ele é alimentado com o próprio corpo de Cristo. Durante a missa, o celebrante consagra duas hóstias: uma é consumida, e a outra, apresentada aos fiéis para adoração. Essa hóstia permanece no meio da comunidade, como sinal da presença de Cristo vivo no coração de sua Igreja.
AT – É um feriado internacional?
Pe. Rafael – Se é feriado em todo mundo creio que não. Mas esta festa é celebrada por todos os cristãos do mundo, isto é, a Igreja coloca a data como Dia Santo de Guarda. Inclusive com muitas manifestações de religiosidade à Santa Eucaristia. Muitos países possuem a tradição de enfeitar ruas e confeccionar os tapetes para receberem a procissão de Corpus Christi. Por exemplo: em Roma começou-se, desde o século XV, com o Papa Nicolau XV (1447-1455) a celebrar a festa de “Corpus Christi”, com a procissão da Basílica de São João de Latrão até a Basílica Santa Maria Maior.
Durante três séculos, manteve-se o costume de fazer a procissão eucarística guiada pelos papas. Depois, a partir de 1870, ano da “tomada de Roma”, o costume caiu em desuso, sendo retomado pelo Papa João Paulo II, em 1979.