Uma cena no livro “O poder do mito”, de Joseph Campbell mostra mais ou menos o seguinte:
Numa mesa de restaurante, comiam o pai, a mãe e o filho dos seus dez anos, um guri sério e encolhidinho. Alguma coisa grave se passava naquela mesa. O menino se recusava a tomar o suco de tomate que o pai insistia que ele tomasse. A coisa estava ficando complicada: o guri quase aos prantos, o pai se escabelando para convencer o filho e a mãe querendo ajeitar as coisas.
– Não o obrigue a fazer o que ele não quer – disse por fim a mãe.
Foi o que bastou para a situação degringolar de vez. O pai encarou a mulher com a paciência no limite, começou a explicar isso e aquilo e concluiu que assim a coisa ia mal, que assim não dava, que o menino tinha de compreender que não podia passar a vida fazendo o que lhe desse na vontade. Que a mulher olhasse para ele, modéstia à parte, um cara bem sucedido, com o futuro arranjado e tal. Como ela achava que ele tinha chegado a isso? Como? “Eu nunca fiz nada do que quis em toda a minha vida”, concluiu triunfante o pai, “nunca, nunca”.
§§§
Epa! Como é isso de alguém levar uma vida toda sem nunca perguntar para si mesmo como é que quer viver? Como é isso de alguém gastar a vida contrariado e ter um baita orgulho ainda por cima?
Numa época como a nossa em que o cara vai ao super em busca de xampu e tem de decidir entre 20 tipos diferentes; numa época como a nossa que transforma tarefas fáceis como comprar um casaquinho, por exemplo, num cipoal de decisões que vão desde a padronagem, passando por largura e cor e tamanho de gola e dos botões, zíper, bolsos, o escambau; numa época assim em que a gente tropeça com escolhas de tudo quanto é tipo e a toda hora, como acontece de não ser possível fazer a escolha principal?
Como pode que acabemos afogados sob as escolhazinhas e nos falte o fôlego para tomar as decisões de vulto? Seriam as quinquilharias diárias, aliás, as responsáveis por impedir – ou então por camuflar – nosso receio de encarar a escolha máxima? Seria por isso que a gente passa a vida assim, com um buraco assim? Um oco que resiste de encolher no peito e fica ali, por mais que se compre/venda/troque ou financie a tarecama toda que nos rodeia nessa ciranda para a qual não se enxerga o fim?
§§§
Chega de perguntas. Me diga uma coisa aí: o que você acha que aconteceu com o guri e seu suco de tomate?