Lá vinha ele, cabeça baixa, passos sem força, gestos desanimados. O dia terminava como se houvesse enfrentado uma batalha desproporcional. O porteiro do prédio nem se animou a puxar assunto. A tarde caia nublada e úmida. Comentar sobre o tempo apenas turvaria mais o ambienta. Respeitou o silêncio, o andar trôpego de quem parecia estar próximo ao fim de uma via crusis.Nada que havia proposto até o momento funcionara a contento. A pouca fé que lhe restara da educação cristã recebida na infância, ainda tentava vislumbrar luz. Mas a depressiva sensação de abandono o deixava coberto em chagas. Comparar-se a Jesus Cristo parecia um desaforo. Não tivera nem metade da determinação do filho de Deus.
Tirou os sapatos, jogou-se na cama. As lembranças acusatórias não o abandonavam. Opções erradas, decisões tomadas às pressas que resultaram em grandes prejuízos e a uma solidão sem limites. Quem dera houvesse forma de lavar a alma. Permitisse mais energia em um coração já quase indiferente ao amor. Correu a cozinha, abriu uma garrafa de vinho, serviu-se de pão e queijo mas não bebeu nem comeu muito. Na tevê, as imagens o convidavam a um mundo que se mostrava cruel e indiferente. Acabou dormindo para acordar quase ao meio-dia de sábado.
No trabalho, a com a qual já experimentara um ensaio de namoro, o convidara para a ceia de Páscoa. Recusara. Decretara o fim para romances. Mesmo eventuais, sempre acabavam em coração partido. Não atendeu ao telefone quando ela e alguns outros amigos ligaram. Tampouco saiu de casa. No domingo, bem cedo, aproveitou para ir supermercado comprar o básico para um almoço rápido. Encontrou quem? A tal colega solteira. Carregada de pacotes se dirigia a um táxi. Tentou fingir que não a vira. Mas ela – é claro – o enxergou e implorou carona. Como dizer não?
Ficou para o almoço, preparou a sobremesa e foi simpático com gente que nunca vira. À tarde os fantasmas, as culpas e outros bichos – menos o coelhinho, haviam lhe dado uma trégua. Os parentes e amigos da mulher partiram. Ele permaneceu para ajudar com a louça. Feliz, ressuscitado. O que aconteceria nos próximos minutos não o assustava mais. A vida se constrói entre erros e acertos, de gente que numa hora dá com os burros n’água, em outra, a volta por cima. Mas que aprende nos tropeços a construir caminhos menos tortuosos, chega lá errando menos. O que já é um grande feito. Feliz Páscoa!