Perdi a conta do número de ve¬zes em que ouvi, li ou pronunciei a expressão acima. Mas estou seguro de que isso aconteceu depois de 1982, quando William Styron, polonês, escreveu o livro de igual título que, no ano seguinte, deu origem ao filme dirigido por Alan Pakula, com o qual Sofia – Meryl Streep – ganhou o Oscar de Melhor Atriz.
Leitores e espectadores, sabiam – está no título – que Sofia teria de fazer uma escolha e, com o andamento do filme (2 horas e meia) todos eram levados a crer que “A escolha…” seria mais um livro para mofar nas prateleiras ou um filme para Hollywood somar à sua coleção de obras apenas razoáveis.
No filme, ambientado em 1947, dois anos depois do término da 2ª Guerra Mundial, Sofia é uma imigrante polonesa, sobrevivente de Auschwitz, instável, em muito ajudada pelo marido e cheia de segredos, o que muda pouco quando à pensão em que vive o casal, no Brooklyn (EUA), chega um jovem escritor.
O cenário fica montado para que se pense que a grande “Escolha” de Sofia se dará entre os dois.
Quase ao final da história, um “Remember” (cenas do passado) reproduz o diálogo entre Sofia e um oficial nazista, o que dá ao filme – e ao seu título – uma extraordinária dramaticidade.
– “Quem você mandará para a câmara de gás? Seu filho (mais velho) ou sua filha de 08 anos? – pergunta ele.
Surpresa e sem entender (aceitar?) a pergunta, ela diz que não mandará nenhum deles, ao que o oficial apenas complementa: “levem as duas crianças”.
Desesperada, Sofia mal compreende estar frente a uma decisão consumada e com uma voz onde se misturam emoção e dor, ela grita: “leve o meu bebê, leve a minha garotinha”, frase que desvenda entre outros detalhes, os segredos que ela tão cuidadosamente guardava, ao longo do filme.
Mais do que isso, a frase torna sua escolha o símbolo de todas as decisões que ninguém jamais gostaria de tomar, como a que recentemente obrigou-se o governo gaúcho, quando fez sua Escolha de Sofia, ao retirar um número expressivo de policiais de algumas regiões do interior gaúcho para colocar na grande Porto Alegre, em decisão que deve ter causado às autoridades o mesmo sentimento de impotência que se abateu sobre a protagonista do filme que referi.
Antes de qualquer tipo de julgamento, lembro sempre a frase que parece ter sido feita para essas ocasiões: “Quando você precisa tomar uma decisão e não a toma, você acaba de decidir que não vai fazer nada”.
Não tenho em mãos os números e nem outros motivos capazes de obrigar o governo do RS a tomar tal decisão.
O que sei é que, todos os dias, em centenas de Casas de Saúde e Hospitais, Brasil à fora, certamente dezenas de Escolhas de Sofia são feitas:
Quando um leito é dado ao paciente com mais condições de sobreviver, a última dose do remédio aplicada no que melhor vai aproveitá-la e a cirurgia é feita apenas em um dos dez ou doze dela necessitados.
A Escolha de Sofia que se faz hoje, é apenas o resultado de um filme, também de guerra (contra a falta de verbas) que acaba sempre deixando a impressão de que falhamos em alguma coisa.
O que, lá pelas tantas pode ser, também, a pura verdade.