Era uma vez um mundo tão lindo… As meninas mais formosas encontravam os príncipes mais gatos e com eles construíam uma existência que superava adversidades, bruxas malvadas e ogros mal-humorados garantindo o clímax lacrimoso. Cortinas baixavam enquanto o destino redigia a sentença final: “…e foram felizes para sempre!” Esse mundo existe apenas no faz-de-conta. A vida real é muito melhor, muito mais excitante, principalmente ao garantir as mesmas chances e oportunidades aos que ousam aventurar-se na conquista. Imaginem que chato, que desigual, um mundo onde top models somente amariam iguais. Se o Criador não brindou a todos com os mesmos atrativos, garantiu para cada um a verdadeira beleza que é a capacidade de ser único entre milhares. Tem gente que não percebe isso e desperdiça chances incríveis de um (ou vários) finais felizes.
Lembro um colega de cursinho pré-vestibular, o Edu. Gente fina, simpático, bom papo, mas inseguro ao extremo. Os maldosos diziam que com aquela cara não poderia sentir-se muito bem mesmo. Era feio, o Edu. Ele tinha uma queda, assim como todos nós, pela Marina, colega lindona, simpática e rica. Deusa morena de pele macia, cabelos negros e olhos verdes. Cobria-se com as griffes mais chiques dos anos 70 (faz tempo, né?). Tinha um carro só dela: um lindo SP2, aquele esportivo da Volks xodó das emergentes da época (até começarem a incendiar, lembram?) Rompera com o noivo, filho de um ilustre livreiro gaúcho. Queria festa.
Marina saía com a turma. Na hora de voltar para casa, apesar dos olhares carentes, pidões e sugestivos, pagava sua parte na conta e acelerava sozinha para casa. Em um destes encontros estávamos no Zé do Passaporte, lá no Bom-Fim, quando o Edu apareceu. Andava sumido dos encontros desde que fora demitido no banco onde trabalhava. Mas de emprego novo, retornava. Marina disse que pagaria uma rodada de cerveja ao Edu se este imitasse Roberto Carlos.
O feioso reproduzia com perfeição timbre – e cacoetes – do Rei. Como não atender o pedido de uma deusa? Limpou o gogó e cantou: “Sem você, minhas noites são tão frias, vou morrer. Meu bem, vem depressa, vem me aquecer, quero ter você perto de mim…” e por aí seguiu. Meloso. Sentimental. E afinadíssimo. Por um destes descuidos da natureza, Marina comoveu-se. Aplaudiu o Edu em seu momento de glória, em plena Osvaldo Aranha e ainda o levou pra casa. Lá exigiu mais do que canções do amante à moda antiga.
Acham que a história foi para um idílico final feliz? Marina apaixonada. Edu também. Só que o mané decretara ser ela um paraíso impossível. E ignorou a musa de nossa turma. Saía com outras! Elas agora queriam uma “lasca” do feioso. Coisa de mulher. Ele mergulhava nesse imbróglio afetivo. Efeitos da baixa estima, da rejeição. Era o grande matador! Marina sentiu-se usada. Sabíamos que não era nada disso. Nosso amigo complexado apenas jogava fora a chance de amadurecer. Encolheu-se na insegurança. E de feioso, passou a ser visto como medíocre.
Nunca o julguei. Namorar uma linda mulher e aguentar “advertências” tipo “cuida bem dessa mulher” ou “Olha que tem gente de olho…” deixavam a estima do pobre coitado ainda mais baixa. Aproveitou o momento, que é claro passou rápido. Depois disso, toda vez que incorporava Roberto Carlos, emocionava-se ao cantar “Sua estupidez”. Era seu hino. Casou com uma chata que o deixou logo em seguida. Nunca mais o vi.
Marina foi cuidar dos negócios do pai em São Paulo. Dizem que é uma elegante cinquentona. Escaldada, não admite falar em casamento. “Homem é tudo igual”, sentencia até hoje. Não é bem assim. Às vezes acreditamos mais na imagem imposta e nos atrapalhamos na hora de vencermos o labirinto da insegurança.