De vez em quando alguém lembra que os automóveis deveriam ser mais eficientes, poluir menos, coisas assim. Para o meu gosto, eles já estão no topo. Diria que só falta falarem, se já não falassem. Falam pelo GPS. São capazes de oferecer informações na língua de escolha dos senhores passageiros. Até avisam se tem algum pardal por perto.
Nem imagino o que São Cristóvão, o padroeiro dos motoristas, pensa disso tudo. Talvez ele também esteja meio atordoado com tanto maquinismo e até se pegue com saudade dos velhos tempos.
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Nos velhos tempos ninguém falava em “carro”. Carro se chamava auto – e ter auto era coisa de graúdo, ou de candidato a tal. Já isso que hoje em dia se chama táxi atendia pelo nome de auto de praça e motorista era chofer. Aprender a dirigir – falava-se guiar um auto – dava um prestígio imenso. Parecia que guiar não era para o bico de qualquer um, era coisa tão complicada que só os homens alcançavam. E raramente uma mulher também.
Mudaram os tempos, sim senhor! Hoje se compra auto em prestações minúsculas. Hoje se troca auto por motocicleta. Boto carro no negócio, dizem os anúncios comerciais. Chegou-se ao ponto de oferecer carro como surpresa para o Dia dos Pais… Gente! Mas, neste caso, quem teria peito para fazer a escolha? E quem pagaria o auto?
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Desmanchou-se aquela fidelidade que fazia do carro quase um membro da família. Guiar virou uma barbada e o problema hoje é evitar que crianças saiam dirigindo por aí.
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Onde isto tudo vai parar, não sei. O que sei é que os meus netos nunca não vão fazer a cruel escolha entre desgrelhar a cabeleira ou suportar o bafo do verão com os vidros trancafiados. Eles não vão ter de aprender a abrir uma janela girando a maçaneta com esforço. Mas, por outro lado, não vão conhecer o assombro de entrar num auto, de sentar num auto, de ir olhando a paisagem se perder atrás do auto, como por milagre.
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Mesmo que os meus netos venham a fazer viagens interplanetárias, duvido que possam experimentar alguma coisa parecida com a sensação que tínhamos ao andar de auto. O cheiro do estofado, o odor da gasolina, a barulheira do motor em movimento e aquela indizível alegria na alma, aquela felicidade sem medida, simplesmente por poder andar de auto. Simplesmente por sentar dentro de um auto.