Guardo inesquecíveis lembranças da minha infância. Meu pai foi um companheiro pronto a ensinar tudo sobre muitas coisas. Não consegui assimilar tudo, principalmente em relação à agricultura e aos negócios, áreas onde era especialista. Curioso incurável estava sempre pronto a aprender.
Era comum vê-lo repentinamente parar no acostamento – principalmente da BR-386 – sem motivo aparente. Mal o carro parava ele saltava a cerca. Em poucos minutos retornava com uma muda na mão, geralmente frutífera. Sem trocar de roupa se embrenhava em meio ao pomar para abrir covas para acomodar a “novidade” que em pouco tempo ostentava belos frutos.
No verão ficava agitado em plena madrugada. De calção e camiseta “de física” (hoje regata) e chinelos de couro mudava a mangueira de lugar para garantir a irrigação de todas as mudas.
– Sem água não tem solução. Tudo morre! – repetia.
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Ele me ensinou também a importância do trabalho. Desde pequeno passa o dia na empresa onde trabalhou por quase 40 anos. Com 12, 13 anos, até cartão ponto eu tinha nas férias de verão. Carimbava papéis e separava talões já usados. Mais crescido ganhei um banquinho de madeira (semelhante às caixas de engraxate) onde se colocava uma poção de cola caseira, feita à base de farinha de trigo para fixar os rótulos nas garrafas de vidro.
Também comandei uma engenhoca usada para fixar a tampinha de inox nas garrafas com ajuda de um pedal depois de prender a sobretampa de cortiça. No intervalo me juntava aos operários para devorar um sanduíche de pão de milho feito pela minha mãe.
Meu pai raramente usufruía de uma temporada na praia. O máximo que ele se permitia era ficar um fim de semana ou feriadão. Cansei de vê-lo arrumar a mala numa sexta-feira à noite e jurar que ficaria “pelo menos uma semana descansando”. Domingo à tardinha, porém, a inquietação tomava conta do velho Giba que acabava deixando o litoral à noite.
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Numa época em que não existiam celulares, ele não aceitava o nosso argumento para ir à extinta CRT, a qualquer hora, para ligar e saber como andavam os negócios:
– Se eu ligar vão dizer que está tudo bem. Mesmo que haja algum problema – disparava.
A teimosia – marca herdada integralmente por este blogueiro – impediu muitas horas de lazer na casa de praia em Tramandaí. A mesma casa onde ele morreu aos 52 anos de idade.