Uma faca de dois gumes (ou de dois “legumes”, como se diz brincando) pega geral. Como se sabe, a faca de dois gumes tem fio dos dois lados, corta pra lá e corta pra cá.
Penso na faca ao percorrer as notícias sobre cortes de programas do governo, como o financiamento estudantil e o crédito para moradia, cortando de um lado; os cortes de incentivos fiscais para os setores mais ricos, cortando do outro. Qual será o resultado dos cortes? Será que cortando geral fica cortado o que deve?
Quem sou eu pra saber.
O que acho que sei é que os governos devem andar sempre com uma boa faca na mão. Ou, melhor ainda, com uma peneira na mão. Isso! Tem de fazer como antigamente se usava fazer na cozinha: a gente botava o feijão na peneira. Só este gesto já era de grande valia. Separava na hora. Caía o cisco miúdo, ficava o feijão. O gesto seguinte era tirar com a mão o que não fosse feijão. Dia que fosse dia de feijão era também dia de peneira e ninguém nunca pensou que fosse peneira demais.
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Os governos devem se assegurar de que só recebe bondades quem de fato precisa, caso dos desvalidos e dos incapazes. Devem garantir que as isenções de tributos, por exemplo, terão impacto importante para o bem comum. E, claro, tem de corrigir distorções e mudar o rumo, quando os projetos falharem. Nunca é possível aposentar a peneira.
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A julgar por um caso que entrou no noticiário dos Estados Unidos, parece que lá a peneira tem serventia igualmente.
O fato a que me refiro está se desenrolando no estado de Nova Iorque e é o seguinte:
Entre dezembro de 2013 e março de 2015, o estado de Nova Iorque gastou quase 47 milhões de dólares com uma campanha para atrair empresas.
O programa parece bem pensado. Segundo as regras escritas, passam a gozar da isenção de impostos por dez anos, as empresas que se estabelecem em zonas demarcadas no estado. As zonas escolhidas ficam próximas de universidades, para facilitar o trabalho conjunto. Além disso, as empresas tem de apresentar um plano onde demonstram capacidade para gerar certo número de empregos num prazo estabelecido. Outra coisa, as empresas têm de se conectar com as universidades locais para desenvolver e fabricar produtos inovadores que estejam relacionados com a pesquisa realizada nessas universidades.
Por exemplo, empresas farmacêuticas devem se estabelecer próximas a um campus universitário em que haja forte atividade na área médica. Empresas do setor de informática devem se aproximar de universidades que pesquisam automação. Quem produz alimentos tem de se alinhar com pesquisa em bioengenharia e assim por diante. O objetivo, como se vê, é encorajar a criação de empregos especializados.
O estado de Nova Iorque preserva sua arrecadação fazendo assinar o compromisso de que, no caso de os planos apresentados falharem, as empresas tem pagar o imposto de que ficaram liberadas.
Pois bem. O projeto previa criar dez mil empregos por ano. Até agora, no entanto, depois de completado um ano e pouco, tudo o que conseguiu foi gerar 76 empregos. Como acompanham de perto a matéria, os órgãos de fiscalização estadual deram o grito. Comparando dinheiro investido, tempo decorrido e o número de empregos, o resultado parece pobre demais. O caso está gerando forte debate.
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Eu fico pensando cá com os meus botões.
Será que nós vimos sabendo lidar com peneira? Será que passa peneira onde peneira deve passar?