Uma dor de cabeça chata me fez entrar numa farmácia em Porto Alegre. Pedi à moça do balcão uma cartela de aspirinas. Só isto, ela perguntou? Só isto, respondi e já fui pegando os comprimidos. Para minha surpresa, ela barrou o gesto. Eu não podia simplesmente levar o produto até o caixa, como se faz no super. Tinha de esperar que a atendente colocasse a cartela numa bolsa plástica e fechasse com um tipo de cadeado. Aí era a hora de levar a bolsa plástica para o caixa, que abriria a tranca, retiraria as aspirinas e, enfim, receberia o pagamento.
Por que seria preciso trancafiar a minha compra numa bolsa, em vez de permitir que eu mesma a apresentasse ao caixa? – Esta foi a pergunta que não fiz.
Mas me permito imaginar que estão organizando deste jeito o fluxo das mercadorias por acreditarem que o cliente é um potencial gatuno. Se a intenção fosse só facilitar o transporte entre um balcão e outro, oferecer um cestinho seria mais que suficiente.
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Fui entrando no Banrisul de Arroio do Meio como faço há mais de trinta anos. Seria quase como entrar em casa – não fosse aquela porta giratória retardar o andar despreocupado.
Opa!
Assim não dava.
Tinha de destripar a bolsa antes.
Trinta anos entrando na agência para resolver as transações da vida financeira e agora sou considerada uma ameaça. A bolsa que carrego representa um risco para a agência e para todos os demais clientes.
Numa aldeia onde os clientes inofensivos pode ser reconhecidos com total facilidade, prefere-se aplicar a lógica utilizada na farmácia em Porto Alegre.
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O banco e a farmácia tem uma lista das razões que justificam seu procedimento. A preocupação com segurança é importante e necessária. Mas não deixo de pensar que o furo fica um pouco mais em cima: assumiu-se o pressuposto de que todo mundo é desonesto ou perigoso, quando não, as duas coisas juntas.
Confiar nos outros e agir de forma a que os outros possam confiar em nós é um comportamento em queda livre. Não se espera que isto seja a conduta mais básica dos mortais comuns.
A boa-fé caiu de moda.
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Quando foi que se perdeu a prática de acreditar na inocência do indivíduo, até haver prova em contrário?
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Este ambiente de suspeita e desconfiança vai levar aonde?