A cada episódio que envolve enchentes no Estado fico duplamente sensibilizado. Primeiro pela perda material que representa este fenômeno climático que caracteriza o Rio Grande do Sul nesta época do ano. Em segundo lugar, pela coragem desta gente atingida e que reinventa a vida até duas, três vezes num espaço de 12 meses.
Imagine, prezado cliente, perder colchão, eletrodomésticos, documentos, fotos históricas da família, tudo enfim. Viver em ginásios sem infraestrutura ou na casa de parentes ou amigos e tentar manter a vida normal. Trabalhar, levar os filhos à escola, pagar as contas. Enquanto isso, eles esperam. Esperam pelo sol, pelas doações, pelos recursos públicos que quase sempre chegam tarde. Ou não chegam.
É uma aula de coragem, determinação e força inesgotável. Deixemos de lada o discurso fácil do tipo “eles moram ali porque querem”. Residem no mesmo local há décadas, alguns desde o nascimento. Neste tempo criaram vínculos, fixaram raízes, fortaleceram laços de amizade, consolidaram parentescos.
Como deixar tudo para trás e recomeçar se nada tivesse valor?
Não consigo imaginar de onde esta gente tira forças para recomeçar
Além da autodeterminação de recomeçar, os alagados encontram sempre uma oportunidade de ajudar. Repartem o pouco que têm, dão carinho aos animais de estimação que se mudam junto para os abrigos durante a intempérie, não esquecem os fiéis companheiros do cotidiano.
Não consigo imaginar de onde esta gente tira forças para abrir a porta de casa, tão logo as águas voltem ao nível normal. Imagine amigo leitor, vislumbrar tudo que foi adquirido com suor e trabalho resumido a lodo, mau cheiro, animais peçonhentos e destruição. O desespero imediato dá lugar à necessidade de buscar soluções, arregaçar as mangas, unir esforços e recomeçar do zero. Não há tempo a perder. Nem forças para desperdiçar. Afinal, o trabalho é grande, sem tréguas, urgente e imediato.
Me choco ao vislumbrar montanhas de entulhos pós-enchente à espera da coleta do lixo. Geladeiras, armários, camas, roupeiros, televisores jazem ali, na rua, ao relento, imprestáveis. Como se fossem monumentos ao descaso de quem deveria ajudar antes das enxurradas.
Solidários, os flagelados buscam ajudar os vizinhos. Trocam objetos, compartilham refeições, cuidam dos filhos uns dos outros, encaram tudo num conformismo que, para nós, beira a ignorância. Afinal, como entender tamanho conformismo diante dos reveses da vida?
Eles sabem que agir assim é a única maneira de tocar a vida adiante. E de enfrentar, em breve, uma nova enchente que levará seus objetos pessoais, suas conquistas, os frutos do trabalho. Mas jamais levará a esperança de dias melhores e, quem sabe, a solidariedade das pessoas de bem.

