A imigração vem sendo assunto recorrente em todo mundo. Refugiados da África, Índia, Paquistão e Bálcãs tentam entrar na Europa fugindo da miséria, das guerras internas, da intolerância racial e religiosa. No Brasil não é diferente. Haitianos e senegaleses chegam às dezenas todos os meses. A maioria deles entra pelo Acre, e de lá rumam para outras regiões do país, em ônibus fretados pelo governo daquele estado.
No Vale do Taquari, eles chegam para trabalhar em cooperativas e empresas frigoríficas como: Dália, BRF Foods e Minuano. Muitos possuem formação superior, mas se sujeitam a trabalhar em chão de fábricas por serem discriminados em outros setores. Diante da crise financeira pela qual passa o Brasil, alguns já pensam em voltar para seus países de origem ou rumar para outros locais à procura de novas oportunidades. Chile é o principal destino.
A procura de novas oportunidades
No Vale do Taquari, vivem cerca de cinco mil haitianos. O número de imigrantes só cresce, apesar da vontade de alguns quererem retornar a seus países de origem. Os primeiros imigrantes haitianos chegaram ao Vale em 2012, atraídos pelas ofertas de emprego e fugindo da fragilidade enfrentada no país de origem.
O representante dos Imigrantes no Vale do Taquari, que atua no Centro de Referência e Assistência Social (Cras) de Lajeado, Renel Simon, está no Brasil há quatro anos, e em Lajeado há três. Ele explica que a grande maioria dos estrangeiros são haitianos, mas há também senegaleses, nigerianos, ganeses, indianos e bangladeschianos vivendo no Vale do Taquari. Destes, cerca de 15% estão desempregados.
As principais dificuldades enfrentadas pelos imigrantes são o desemprego e a desigualdade racial. “Ainda existe muito preconceito. Muitos possuem qualificação com nível superior e mesmo assim não estão conseguindo emprego”, afirmou Renel.
O preconceito acontece, afirma Simom, de uma forma velada. “Os brasileiros não falam abertamente. Mas não querem se relacionar com os imigrantes, nem querem dar trabalho a pessoas qualificadas. Alguns são professores de línguas, matemática e música. Outros têm formação como economistas e enfermeiros, mesmo assim estão parados”, revelou.
Situação em Arroio do Meio
Simon não sabe precisar quantos imigrantes moram e trabalham no município. O certo é que o movimento de imigração ainda é grande na região, pois muitos haitianos continuam chegando e outros estão por vir. Isso se confirma com o depoimento de Gede Josefh Alson de 41 anos. Ele saiu há seis meses do Haiti rumo ao Brasil em um voo até o Panamá e de lá para Porto Alegre.
Desde que chegou procura emprego. Entregou pessoalmente vários currículos em empresas, mas até agora nada. Ele espera trazer a mulher e os cinco filhos, duas meninas e três meninos, com idade entre quatro e 15 anos, que ficaram no país de origem. Mas para isso, precisa primeiro arranjar emprego.
Enquanto isso, mora com a enteada, o noivo dela e outro amigo, também imigrante, em uma casa alugada no bairro Aimoré. “Os primeiros que chegam acolhem, os que vêm depois. Eles ajudam muito uns aos outros”, disse Denise Scheid Huppes, professora aposentada que ministra aulas de Língua Portuquesa voluntariamente em uma sala nos fundos da Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.
Situação parecida enfrenta Elda Anzione de 27 anos. Falando pouco português ela se esforça em aprender a língua para aumentar as chances de conseguir um trabalho. Há 11 meses no Brasil, ela chegou para fazer companhia ao marido que vive aqui há três anos, e em busca de oportunidade para oferecer uma vida melhor à filha de três anos. “Gosto muito daqui, não quero voltar para o Haiti”, fala ainda com dificuldade, mas com sorriso no rosto.
Trabalho voluntário
Denise ministra aulas para imigrantes desde janeiro deste ano. São 24 alunos ao total, 18 na parte da noite e seis na parte da tarde. Ela conta que eles são muitos interessados. Alguns pretendem cursar curso superior ou técnico. Várias são as qualidades apontadas pela professora. “Eles aprendem muito rapidamente. São disciplinados, anotam tudo, baixam programas na internet sobre português, utilizam métodos próprios para estudar. Enfim são muito esforçados”, enfatiza.
A ideia inicial, conta Denise, era ministrar aula uma vez por semana, com duração de 2h30min para cada turma (pela tarde e à noite). Depois do contato inicial, os alunos solicitaram que o horário fosse estendido para três horas diárias, três vezes por semana, o que está acontecendo desde então.
Além de Denise, auxilia a também professora Rosângela Thomé Fensterseifer que acompanha os alunos que já possuem melhor fluência do idioma e que pretendem continuar os estudos no Brasil, inclusive com a pretensão ao Ensino Superior.
O nome da ‘escola’ é sugestivo, e remete a maneira de encarar a vida dos imigrantes que estampam em seu rosto, apesar da vida sofrida, a alegria de viver. “Aprender com Alegria – Aprann ak kè kontan” em crioulo, idioma oficial do Haiti.
No corredor que dá acesso à sala, escrito no idioma dos imigrantes e em português, uma frase sintetiza um sentimento de estímulo permanente aos alunos e um ‘recado’ a brasileiros e arroio-meenses: “Ninguém vale pela sua ascendência, pelo lugar onde nasceu, nem pela tradição a que pertence, mas cada um vale pelo que conseguirá fazer da sua vida.”
O principal desafio enfrentado segundo Denise foi a escolha da metodologia a ser adotada. Nesse caso a melhor forma encontrada foi planejar as aulas por temas como: alimentação, vestuário, profissões e partes da casa. “Em uma das aulas, quando se trabalhou o vocabulário de alimentação, a turma da manhã foi a um supermercado para conhecer e aprender sobre os produtos. Já com a turma da noite, levei itens da geladeira e despensa para que os alunos visualizassem os produtos. Com o vocabulário, introduzi os verbos que se relacionam ao tema (alimentos – comer, beber, cozinhar) e outros aspectos gramaticais”, explica.
Denise faz um apelo aos empresários para que deem oportunidades de trabalho aos estrangeiros, os quais são extremamente dedicados em suas tarefas. Para isso, disponibiliza seus telefones pessoais, para um primeiro contato. O contato pode ser feito pelos números 3716-1148 ou 9890-05089, ou ainda pelo e-mail dscheid@bewnet.com.br. “Eles querem muito e precisam de um emprego. São esforçados, honestos e extremamente éticos”, salienta a professora.
Falar e escrever em duas semanas
A falta de emprego é evidente. Saintano Ocler chegou ao Brasil em março e há um mês conseguiu trabalho na Dália Alimentos. No Haiti deixou a mulher com uma filha de apenas seis meses. Como a maioria dos imigrantes, espera ganhar dinheiro para trazer a mulher e a filha para o Brasil.
Desinibido e interessado em aprender o português, é o mais esforçado entre os seis alunos que participam das aulas na parte da tarde. Além de falar o crioulo, fala fluentemente o inglês e o francês. A facilidade em aprender é visível. Com apenas duas semanas de aula escreve quase que perfeitamente o português. “Ele é muito esperto, olha o que escreveu com apenas alguns dias de aula”, conta a professora, mostrando o texto do aluno.
Perfil dos imigrantes
Entusiasmada Denise conta que a experiência obtida ministrando as aulas de Língua Portuguesa aos imigrantes proporciona uma imensa alegria. Com a experiência de quase um ano na função ela traça o perfil de seus alunos.
Conforme ela, a maioria esmagadora é do sexo masculino com idades entre 19 e 50 anos. Alguns são casados e deixaram esposa e filhos no Haiti, mas pretendem trazê-los assim que as condições financeiras permitirem. Em meados de abril deste ano chegaram à cidade os parentes dos primeiros imigrantes já estabelecidos aqui.
Ela explica que todos, sem exceção, enviam dinheiro para os familiares, mesmo os solteiros. Mas em função da crise a qual passa o país e da variação cambial, estão tendo dificuldades imensas para comprar dólares e enviá-los ao país de origem, pois necessitam fazer duas conversões – aqui no Brasil e no Haiti – o que acarreta perdas. “Além disso, como os bancos estatais não realizam o serviço de enviar os valores, eles utilizam uma agência de turismo que cobra taxas absurdas para enviar o pouco que sobra”.
Terremoto em 2010
Em janeiro de 2010 um terremoto arrasou o Haiti e deixou 220 mil pessoas mortas. A vida pós-terremoto foi difícil para aqueles que restaram e a reconstrução esperada não aconteceu. Apesar dos milhões de dólares da ajuda internacional, grande parte dos recursos foi desviada e a população continuou vivendo em situação de extrema pobreza. Então, para muitos, a solução foi procurar novas oportunidades fora de seu país e emigrar em direção aos Estados Unidos, Canadá, França, Brasil e outros países.
Projeto declara Lajeado e Porto Príncipe cidades-irmãs
Tendo em vista o grande número de imigrantes vindos em sua grande maioria do Haiti, o Presidente da Câmara de Vereadores de Lajeado, Carlos Ranzi (PMDB), apresentou proposta que declara Cidades-Irmãs, as cidades de Lajeado e Porto Príncipe – capital do Haiti. Segundo o parlamentar, o objetivo da proposição é fortalecer as relações culturais, sociais e econômicas entre as cidades.
A declaração de irmandade busca abrir amplo leque de programas comuns, visando conhecimento recíproco, permitindo o intercâmbio nas áreas sociais, turísticas, econômicas, culturais e políticas, especialmente no que diz respeito à organização, administração e gestão urbana entre os dois países. “O Poder Público tem o dever de promover a cidadania e inclusão social dos imigrantes, e precisamos incentivar iniciativas que visam melhorar nossa receptividade aos imigrantes e acolhê-los da melhor forma possível”, declara Ranzi.


