Auguste de Saint-Hilaire ficou tanto tempo longe da França – onde nasceu (Orleans, mesma cidade do Conde D’Eu – 04 de outubro de 1779), quanto nela.
Saint-Hilaire tornou-se único pelos estudos que desenvolveu sobre a flora brasileira. Os seis anos que ficou no Brasil (1816-1822), renderam-lhe 30 mil exemplares de plantas, de 7 mil espécies, sendo 4.500 desconhecidas. Todas coletadas e catalogadas dia a dia e, depois, enviadas em caixote para o Rio de Janeiro; daí, para a França, onde todo um sistema de cuidados já se achava montado (ele recebia 3 mil francos anuais para as pesquisas, valor depois aumentado para 6 mil).
À sua qualificação como botânico e naturalista, Sain-Hilaire aliava uma grande capacidade de observação e análise de tudo o que o cercava a cada momento, a ponto de descrever uma nova cidade, por exemplo, já com acréscimos que sua sensibilidade conseguia vislumbrar.
O resultado é que seus relatos da época muitas vezes parecem descrever o agora, só que referem-se ao que foi visto e vivido 190 anos antes.
Saint-Hilaire entrou no Rio Grande do Sul em junho de 1820, embrenhando-se via Missões até a Província Cisplatina, à época, portuguesa.
De Montevideu retornou ao Rio de Janeiro e daí, de volta para a França. Calcula-se que tenha viajado, nos seus seis anos de Brasil, 16.500 km, ou seja, a distância Oiapoque-Chuí, ida e volta.
Vamos acompanhá-lo um pouco para saber o que pensava o brilhante botânico e naturalista sobre o RS, à época.
“Porto Alegre, 21 de julho de 1820”. Há uma longa descrição da Sede da Capitania do Rio Grande do Sul, incluindo a Lagoa dos Patos que, como ele diz, “mede sessenta léguas de comprimento e tem, em sua origem, os nomes de Lagoa de Viamão ou Lagoa de Porto Alegre”…
“A Lagoa deve sua origem a quatro rios navegáveis, que reúnem águas em frente de Porto Alegre e que, divididos em sua embocadura, num grande número de braços, formam o labirinto de ilhas; três desses rios – o Gravataí, que é o mais oriental, o rio dos Sinos e o rio Caí, vêm do norte, nascem na Serra Geral e têm pequeno curso. O quarto rio – de nome Jacuí ou Guaíba – é muito maior que os outros; vem do oeste e recebe em seu curso numerosos afluentes.”
E, um pouco mais adiante, o lado bom e o lado ruim: “Situada à margem de uma Lagoa que se estende até o mar, podendo ao mesmo tempo comunicar-se com o interior por vários rios navegáveis, cuja foz fica diante de seu porto, a cidade de Porto Alegre deve, necessariamente, tornar-se, em breve, rica e florescente. Fundada há cerca de 50 anos (48, na verdade), já conta com uma população de dez a doze mil almas”.
Uma pergunta caindo de madura:
Saint-Hilaire viu, há 190 anos, a ligação capital-interior via fluvial, ficando em Porto Alegre alguns dias.
Há quanto tempo está sendo “enrolada” a ligação fluvial com Guaíba?
E, sobre Porto Alegre, tem mais: “As encruzilhadas, os terrenos baldios e, principalmente, as margens da Lagoa, são entulhadas de sujeira; os habitantes só bebem água da Lagoa e, continuamente, vêem-se pessoas encher seus cântaros no mesmo lugar em que outras pessoas acabaram de lavar as mais emporcalhadas vasilhas”.
O que mudou?
Visto assim, na época era melhor.
Bem, revivemos um pouco de Saint-Hilaire no RS, um homem do Século XXI vivendo entre nós no Século XIX. Só isso.