Arroio do Meio – Entrevistado acerca do atual cenário político brasileiro, especialmente no que se refere à Operação Lava-Jato e às ações do Judiciário, o juiz da Comarca de Arroio do Meio, João Regert, defende a necessidade de uma profunda reforma política. Ressalta que a corrupção é uma prática antiga, que não envolve somente o governo atual e o anterior, mas vem desde o descobrimento do Brasil. O fato novo e positivo, no entanto, é que finalmente as investigações estão sendo aprofundadas.
AT – O senhor acredita que a partir desta junção de forças – Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal – haverá mudanças significativas na forma como alguns políticos tratam os bens públicos?
Juiz João Regert – Acho importante esclarecer que Poder Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal têm, cada qual, atribuições distintas. Aos olhos do público, conforme noticiado pela grande mídia, parece haver uma “força-tarefa”, uma grande investigação conduzida pelo juiz Sérgio Moro. Na verdade há duas fases: a investigação policial e a ação penal. A fase de investigação é conduzida pela polícia e excepcionalmente pelo Ministério Público. Nesta fase, ao Judiciário cabe apenas decidir sobre algumas medidas, como interceptação telefônicas, buscas e apreensões, prisões temporárias ou preventivas. Concluída esta fase, o Ministério Público, baseado na investigação, oferece a denúncia. A partir daí se inicia a ação penal, agora sim conduzida pelo juiz, cuja função é aplicar a lei de forma imparcial, assegurando, inclusive, aos acusados o direito à ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal. Também é importante não esquecer que a operação Lava-Jato envolve não apenas políticos, mas muitos empresários poderosos, principalmente donos e dirigentes de empreiteiras.
Se haverá mudanças significativas a partir de agora? Sou um pouco cético quanto a isso. Quem conhece um pouco da nossa história sabe que a corrupção envolvendo políticos não é coisa nova. O que dá alguma esperança é que agora, finalmente, se está investigando a fundo e punindo. Faltam, ainda, mecanismos mais eficientes de controle dos atos administrativos e das relações das empresas que contratam serviços públicos. Falta uma verdadeira reforma política. Não é mais possível aceitar, por exemplo, financiamento de campanhas políticas por empresas. Aí está a origem de muita corrupção. Não é possível que a pessoa eleita tenha que fazer conchavos promíscuos para poder governar. Só se governa na base do “toma aqui, pega lá”. É preciso achar um novo sistema político. Mas essa reforma, infelizmente, não virá da classe política. Sonho com uma constituinte exclusiva, ou seja, convocada para a tarefa exclusiva de promover a reforma política. Terminada a reforma, os constituintes voltam para casa, sem mandato parlamentar e proibidos de concorrer a qualquer cargo eletivo por certo período, por oito anos, quem sabe.
AT – Muito se tem falado em espetacularização dos atos do Poder Judiciário. O senhor percebe exageros no modo como as ações estão sendo desencadeadas, com ampla divulgação por parte da mídia?
Juiz João Regert – Não posso me manifestar sobre a atuação de colegas, nem para aplaudir, nem para criticar. Se fizesse isso estaria infringindo a lei e sujeito a punições. Fico com a opinião manifestada recentemente pelo Ministro Teori: o juiz deve agir com discrição e imparcialidade; não deve buscar holofotes. Há espetacularização ou exageros no caso concreto? Não sei. Deixo a análise para os outros.
AT – As denúncias de corrupção envolvendo o governo atual e o anterior, não são recentes. Como chegamos a este ponto e porque se leva tanto tempo para investigar e punir estes crimes no Brasil?
Juiz João Regert – Não só no governo atual e no anterior, mas desde o descobrimento (ou invasão pelos portugueses, como preferirem). O fato novo e positivo é que finalmente se está investigando pra valer. Houve um tempo em que o Procurador Geral da República era conhecido como “Engavetador” Geral da República. A denúncia de corrupção envolvendo agentes do governo chegava até ele e simplesmente engavetava, alegando falta de provas. Não mandava investigar. Como falei antes, os mecanismos de controle dos agentes públicos e das empresas que prestam serviços ao poder público são ainda muito precários. Se não houver uma delação ou uma denúncia por algum integrante do esquema de corrupção, pouco se descobre. Foi assim no Mensalão, com o deputado Roberto Jeferson, e agora na operação Lava-Jato. Há avanços, não há como negar isso. Eu que vivo condenando e prendendo os ditos “ladrões de galinha” (de vez em quando também se pega algum grandão!), fico satisfeito que se esteja investigando, processando e prendendo também os poderosos. Talvez mais do que nunca tenha chegado a hora de mostrar que ninguém está acima ou a margem da lei. Todos devem se sujeitar a ela.
AT – Qual é a sua posição sobre a delação premiada? É uma prática válida para apurar crimes?
Juiz João Regert – Ela está prevista na nossa legislação. Se tem previsão legal, então é válida para apurar crimes. Não me agrada muito que o delator seja premiado, digamos assim, muito generosamente. O delator é um criminoso, muitas vezes é até um dos cabeças do esquema de corrupção, que entrega outros membros da organização. Custo a aceitar que o delatado tenha uma pena de 15 anos em regime fechado e o delator, pela prática do mesmo crime, uma pena de 02 anos, em prisão domiciliar. É aceitável que o delator receba algum benefício, pois do contrário não faria a delação, mas não a ponto de quase se tornar um herói da pátria. O delator, afinal, é um criminoso da pior espécie, pois além de cometer a falcatrua, tão somente para salvar sua própria pele, quando percebe que sua situação está perdida, resolve entregar os parceiros. Não há altruísmo algum na delação.