O ponto chave de uma relação é que ela seja absolutamente original. Mas como obter essa originalidade em meio a tantos conselhos de como se relacionar? A atualidade vem sendo conturbada por uma busca de felicidade extrema dentro das relações. Sorrisos e belas imagens parecem estar por toda parte nas redes sociais, fazendo com que a vida de muitas pessoas pareça perfeita. Mas será que esta felicidade existe?
Conforme a psicóloga Valéria Nicolini, uma relação é mais do que se vê, do que se pensa. É mais do que se sente. “Não são apenas pessoas que as compõem, muito menos imagens compactadas de momentos freneticamente felizes. Uma relação é feita de sentimentos, afetos, palavras. São relances de olhares, momentos, conjuntos e histórias. São sutilezas incapazes de serem nomeadas”. As relações são faladas por milhares de pessoas, que configuram diferentes discursos sobre os mais diversos tipos de relações e de como as viver. A verdade é que os laços afetivos estão se enfraquecendo e o que vem restando por trás de uma fictícia felicidade, são silêncios, distâncias e a falta de tempo para amar.
“Acredito que ao falar sobre relações devemos ter consciência de que elas estão longe de serem perfeitas, independente do tipo de relação e das pessoas que dela fazem parte. Um grande teórico, Roland Barthes, já em 1977, falava sobre como a relação de viver bem com alguém é quase impossível de ser alcançada. Ao falar em “viver junto” logo se pensa em pessoas que vivem na mesma casa, dividindo o mesmo ambiente, porém para viver com alguém não é preciso estar ao lado dela”, frisa.
Se pararmos para pensar, diariamente lembramos-nos de muitas pessoas, de muitas histórias. Inconscientemente vem à cabeça frases de amigos distantes, das palavras de um professor e até imagens de fotografias velhas. “Isso tudo está em nossa mente por um motivo, porque de alguma forma estas pessoas são marcantes, possuem uma influência sobre nós e automaticamente passam a viver conosco. Este viver é no sentido de que, falas, lembranças ou momentos de pessoas, passam a nos habitar de forma espontânea e passamos assim a ser contemporâneos de um mesmo tempo”. Segundo Valéria, viver com o outro dentro de uma relação é sem fazer esforço algum, tê-lo presente. Não é preciso viver no mesmo tempo cronológico ou no mesmo espaço. Mas viver através de histórias, lembranças, escrita, leituras, trocas, palavras ou gestos.
Assim, viver com o outro dentro das relações, nada mais é do que uma arte de viver, central e indispensável para o sucesso das relações. É importante deixarmos claro que no viver junto, não há apenas um, nem apenas o outro, há o nós. Não é a manipulação de um, nem tampouco a ausência do outro, sendo que o que se deseja nesta relação é uma distância que não quebre o afeto. “É assim, que alcançaríamos, aquele valor tão difícil e ausente nos dias atuais: a delicadeza. A delicadeza de estar longe, mas ao mesmo tempo manter um cuidado, a delicadeza de não exercer um peso na relação, mas também não se ausentar dela. É manter de tal modo, uma distância acalorada e não uma distância de meras ‘curtidas’”.
Valéria ressalta que alcançar a delicadeza dentro de uma relação exige esforço de ambas as partes, pois cuidar e respeitar o outro na relação, é abrir-se. Dividir-se. É se expor e ser exposto. Mas, para isso não é preciso deixar suas diferenças e concepções de lado. “Para se viver junto não é necessário formar uma ideologia única, invariável, obsessiva. É importante que cada um mantenha suas ideias e opiniões. A distância dentro do viver junto é uma aceitação do outro e de suas visões. Do seu tempo. É um pensar e viver com o outro. É uma amizade, uma administração de afetos, uma condução de vidas”.
Viver junto implica em uma amizade onde os sentimentos que transitam nela, são forças, pequenos instantes. Formas complexas de construções do cotidiano, fragmentos de tempo com pequenos nós. Preconceitos, obrigações e até remorsos. Nuances e sentimentos vão se criando e desenvolvendo, crescendo e assim compondo as relações.
Lembra ainda que alcançar o viver bem implica em ter de aceitar o ritmo do outro, e isso muitas vezes é a causa de rompimentos e conflitos. “Cada pessoa tem sua personalidade, suas características, ou seja, seu ritmo. Ritmo é uma imperfeição, algo que não entra na estrutura de um conjunto total. Ritmo não quer dizer que algo deva ser igual, mas quer dizer que cada um terá o seu”.
Enfim, a pessoa que está ao seu lado em uma relação é desta forma, o interlocutor perfeito, capaz de criar uma ressonância, podendo fazer da relação uma sonoridade total, basta para isso saber administrar os afetos. Basta procurar pela originalidade do eu, não deixando de ser o que se é de verdade. “Precisamos mais do que aceitar as diferenças do outro, precisamos nos permitir sentir, ousar e arriscar a errar e errar de novo. Relações são vidas, e vida se faz vivendo e sentindo, se faz tentando”.