Em setembro de 1493, Cristóvão Colombo partiu do porto de Cadiz, na Espanha, para mais uma de suas viagens ao “Novo Mundo”. Sua esquadra compunha-se de 17 navios e 1.200 homens e consta que, ao regressar, em 1496, suas cargas tiveram uma repercussão tão grande quanto à descoberta das novas terras: eram centenas de índios, “gentes como na primeira inocência”, que passaram a merecer as mais absurdas referências, em seguida transformadas em discussões e debates que ganharam o mundo.
Ao longo das três primeiras décadas do século XIV, novas levas de gentios – incluindo-se aí os índios brasileiros – foram recolhidas pelos demais navegadores da época. Com eles veio, também, a comprovação da prática da antropofagia, hábito de comer carne humana, o que resultou na grande pergunta da época: seriam os índios Seres Humanos?
Com sua autoridade de, digamos, “ONU da época”, a Igreja viu-se na obrigação de opinar, o que fez em 1537, expedindo a Bula Papal “Veritas Ipsa” (A mesma verdade). Nela, o Papa Paulo III escreveu: “determinamos e declaramos que os ditos índios e todas as gentes que daqui em diante vierem à notícia dos Cristãos, ainda que estejam fora da fé de Cristo, não estão privados, nem devem sê-lo, de sua liberdade, nem do domínio de seus bens, nem devem ser reduzidos à servidão”. E mais adiante: “Os índios são verdadeiros homens, não somente capazes de entender a fé católica como, de acordo com nossas informações, acham-se desejosos de recebê-la”.
Por que estou voltando no tempo?
Não preciso que me digam que não devo comparar índios “na primeira inocência”, com as pessoas que hoje lotam os presídios (?) brasileiros, pois leio jornais, vejo TV e ouço rádio e sei muito bem os crimes que a maioria dessas pessoas cometeu. Entretanto, é preciso lembrar que a prisão, pela Constituição do país, é o meio de fazê-las pagar pelos seus crimes e reeducá-las para a sociedade, entre tantos outros objetivos não cumpridos por essas centenas de depósitos de farrapos humanos que chamamos de presídios.
Com raríssimas exceções, quem ali está recolhido – sem esquecer o que a maioria fez – sairá muito pior e descarregará o ódio acumulado na sociedade, que ali o recolheu para torná-lo melhor.
Será isso o que todos queremos?
Um Papa foi obrigado a dizer que os índios eram gente, muito embora alguns comessem carne humana.
Será preciso que outro Papa venha ao Brasil com o fim específico de visitar nossas cadeias e dizer ao mundo que presos também são gente? Ou o que a sociedade quer é mesmo que eles se revoltem e possam ser mortos, com a desculpa de sua violência?
Do jeito que está é difícil deixar de dar razão à sua indignação.
Perder a liberdade é uma coisa. Perder o Direito de ser Gente, é outra bem diferente.