O primeiro emprego que tive ao chegar a Porto Alegre, saindo de Arroio do Meio, foi na Olverbra, uma das maiores empresas da época. O carro-chefe do grupo era uma esmagadora de soja, mas havia unidades de navegação, reflorestamento e embalagens plásticas, entre outras, com inúmeras filiais, uma delas em Lajeado.
Fui contratado como auxiliar de pessoal, um degrau acima de um contínuo – ou office boy, como se dizia à época. Minha vida consistia em realizar serviço de banco, acompanhar funcionários demitidos aos respectivos sindicatos e pagar as contas de minha chefe, uma incorrigível consumista.
Um dos meus colegas era um senhor de 70 anos, o seu Lotha Zang, alemão austero, exigente, de poucos sorrisos. Ele era o responsável pelo controle dos cartões-ponto, confeccionados em papelão. Se utilizava de lápis caprichosamente apontados com uma lâmina Gilette, com pontas simétricas. Eram quatro lápis de tamanhos exatamente iguais, usados para assinalar atrasos, horas extras acumuladas e tudo que dissesse respeito aos nossos horários.
Tudo na vida passa. Menos as pessoas especiais que estarão para sempre do lado esquerdo do nosso peito
Em uma onda de demissões seu Lotha foi demitido, o que me deixou triste. Tratava-se de um conselheiro com suas preciosas dicas de como sobreviver numa grande empresa, sem falar de sua experiência de vida. Mesmo fora da empresa ele me ligava para que almoçássemos no centro da cidade. Eram momentos de boas risadas, recordações felizes.
No último encontro, seu Lotha estava quieto, acabrunhado, distante. No final do almoço tomei coragem para perguntar o que ocorria, se havia problemas financeiros, de saúde. Ele suspirou antes de me fitar com seus faiscantes olhos azuis. E disse:
– Olha, meu amigo… a pior coisa da velhice é a dificuldades de encontrar pessoas que viveram “os bons tempos”. Ou seja, achar pessoas com as mesmas recordações, experiências e vivências para compartilhar de momentos inesquecíveis.
Contou que ia com frequência à Praça da Alfândega, lugar emblemático de Porto Alegre, que se caracteriza pelo encontro de vários grupos de idosos que jogam damas e conversa fora.
– Cada dia o meu grupo está menor, e isso piora sensivelmente no inverno quando nós, velhos de idade, sofremos demais – murmurou antes de me dar um abraço afetuoso e sumir no caos da Rua da Praia. Foi o nosso último encontro.
Aos 56 anos, ouço com frequência cada vez maior os amigos de escola ou de “futebol de salão” dizer que é preciso aproveitar a vida, que muitos amigos já se foram, que é fundamental curtir todos os momentos. Mais uma vez, o seu Lotha proporcionou uma aula de vida. Mostrou que tudo na vida passa. Menos as pessoas especiais que estarão, para sempre, do lado esquerdo do nosso peito.

