Capitão – A vida moderna do século XXI transformou a padronização clássica da instituição “família” e das relações sociais. Manter um casamento está cada vez mais difícil. Depende de muito amor, respeito, dedicação e saúde para ir em frente.
No fim de semana, a comunidade de São Luis, Capitão, presenciou algo raro neste contexto. Os 75 anos de vida matrimonial do casal Alzira Costa, 90 anos e Laudelino, 96 anos, foram celebrados sábado (2), na igreja católica da localidade, num dia ensolarado e com clima agradável.
Entre os 330 convidados presentes estavam os sete filhos, genros e noras, 25 netos, 28 bisnetos e 5 tataranetos, primos, cunhados e sobrinhos – inclusive de outros estados –, amigos, autoridades, profissionais da Saúde de Capitão e Nova Bréscia, grupo de idosos e comunidade em geral.
A cerimônia foi emocionante. No sermão, o vigário Silvério Schneiders, amigo do casal, destacou o legado de amor, trabalho e fé, que Alzira e Laudelino proporcionaram aos familiares e pessoas próximas, enaltecendo o belo exemplo cristão e comunitário dos dois. O Coral Alemão de São Luis abrilhantou a celebração.
Na saída da Igreja, os noivos subiram numa carroça, como antigamente, e seguiram em direção ao salão da comunidade. O espaço estava decorado com equipamentos e utensílios antigos, que amplificaram a atmosfera de nostalgia sentida pelos convidados. A comida foi servida na mesa pela equipe da comunidade. A festa foi animada pela banda Quarteto da Alegria. O casal chegou a dançar uma valsa, mas a noiva não conseguiu acompanhar o noivo nas músicas seguintes, em consequência de uma artrose.
O NAMORO
Ela é de origem francesa e inglesa, tem de casa o sobrenome Alexander e sempre morou na localidade. Sua avó possivelmente é descendente de escravos. No fim do século XIX foi encontrada debaixo de um pé de couve e criada pela viúva da família de origem estrangeira. O fato de ser de pele escura intensifica a possibilidade.
Ele é de origem alemã e portuguesa, com base também das famílias Gregori e Mallmann. Nasceu em Estrela, viveu a infância em Linha Primavera, Cruzeiro do Sul, e na adolescência seus pais se mudaram para a divisa de Linha 32 com São Luis. Na época a residência de seus pais incendiou e perderam tudo, incluindo fotografias e documentos históricos.
Os dois se conheceram como vizinhos. Ela tinha 12 e ele 18 anos. Para comunicar a intenção de namorar ao pai de Alzira, Laudelino deu à ela um leque de presente, que indicava intenções além de uma simples amizade. “Ninguém foi contra. Era época de Ano Novo […] O namoro era mais simples. E como era vizinha, era fácil de namorar, não precisava caminhar tão longe”, revela.
O CASAMENTO E A CONSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA
Quando se casaram em 6 de julho de 1941, ele tinha 22 e ela 15 anos. A cerimônia foi realizada na capela antiga da comunidade. Na ocasião não foi feito registro fotográfico, porque o único fotógrafo da região estava doente, e fazia chuva e frio naquela noite. “Só tiramos a primeira fotografia da família após o nascimento do quarto filho”, recordam.
A primeira filha do casal, Leonita nasceu 18 meses após o casamento. A segunda filha faleceu aos quatro meses de idade. A diferença de idade entre a mais velha e o mais novo, Arlindo, é de 21 anos. Todos moram perto. Mais distantes, mas nem tanto, estão Olávio que mora no bairro Aimoré, Irma que reside em Dona Rita, e Líria, em Linha 32, Arroio do Meio. “Isso facilita a nossa união. Todos aqui se ajudam”, prosperam.
Eles relatam a dificuldade de criar os filhos e zelar pelos sogros. “Não existia aposentadoria. Não tinha comida em abundância como hoje. Não tinha recursos tecnológicos. Era difícil fazer dinheiro na agricultura. E o acesso à procedimentos clínicos e medicamentos era inteiramente particular, sem convênios ou SUS. Chegamos a ter que colocar uma propriedade em garantia de dívidas de despesas hospitalares em decorrência da doença do sogro. E a partir daquele momento, tudo que produzíamos com suor (suínos, leite, trigo, soja, milho, galinhas e lenha) era direcionado ao pagamento dessa dívida que levou anos para ser saldada. Tínhamos carne e comida, no entanto, precisávamos poupar e vender os produtos. Hoje não temos saúde e apetite para consumir tudo”, compartilham. Os filhos eram levados junto para a roça, ficavam na sombra dentro de um balaio ou na carroça.
Em decorrência da dura lida, Laudelino sofreu sequelas. Convive com uma hérnia de disco há mais de 50 anos. “Quando era novo, não tinha tempo de fazer a cirurgia, e hoje, os médicos relevam o grau de risco”, comenta.
“Sem arrependimento para coisas boas”
Apesar das dificuldades, o casal também guarda os bons momentos e alegrias familiares, como as festas, conquistas pessoais e comunitárias. “Não existe casal que não troca palavras duras. Mas tem que saber perdoar e não guardar rancor. Hoje os casais se separam por simples discussões e mal entendidos”, opinam.
A casa de madeira que moravam no início do casamento precisou ser demolida, de tão precária que estava devido à ação do tempo. Chegava a balançar em dias com vendavais. Mas graça ao esforço e muito trabalho, construíram uma casa nova. Laudelino também ajudou a construir a nova igreja de São Luis, onde o casal celebrou as Bodas de Brilhante no último sábado. Durante anos ele integrava a diretoria da comunidade, e entre os papéis que desempenhava estava a arrecadação de prêmios para as rifas. “O que a gente faz de bem, não se arrepende”, argumenta.
A ATUAL ROTINA
Laudelino acorda cedo. Entre às 6h e 6h30min faz o desjejum. Depois busca gravetos para acender o fogão à lenha que ele adquiriu há 78 anos e continua intacto, devido à qualidade dos materiais da época.
Em seguida, é hora de tirar Alzira da cama, para os dois tomarem café juntos. Na sequência rezam o terço, num momento de devoção à Nossa Senhora Aparecida. Quando terminam a oração, é hora do chimarrão. Ela gosta e, na vez dele, ele só segura o tempo da rodada, pois não pode tomar em decorrência de uma úlcera no estômago.
Na hora do almoço, Laudelino toma um copo de vinho todos os dias. Ritual que repete há 25 anos. O fornecedor de Caxias de Sul era um dos convidados. “Possivelmente chegamos a essa idade por causa de alimentos naturais, sem processamento industrial”, comentam.
Após o almoço, ela cochila na cadeira e ele na cama. Nos dias de tempo bom ele faz caminhadas ou busca gravetos e chás para controle da diabetes. Alzira não pode caminhar em decorrência de uma artrose, e só se locomove com muletas ou andador. Por causa de um mau súbito que ela sofreu e deixou sua saúde debilitada, há três anos foram morar com a família do caçula Arlindo e a nora Marlene.
Eles não assistem televisão. O pouco que visualizam a tela já causa dor nos olhos e evitam prolongar. Preferem escutar músicas antigas no rádio. Às 17h30min ele acende o fogão a lenha novamente, e às 18h15min tomam um café. Mas só vão dormir pelas 21h, quando a última brasa do fogão a lenha estiver desligada.