A Associação dos Meliponicultores do Vale do Alto Taquari (Amevat), a Emater/RS-Ascar e a Prefeitura de Arroio do Meio realizaram na sexta-feira, 27, a oitava edição do Seminário Regional de Meliponicultura. Na ocasião cerca de 300 participantes – entre autoridades, representantes de entidades, extensionistas e criadores de abelhas sem ferrão -, de mais de 40 municípios do Estado estiveram presentes no CTG Querência do Arroio do Meio, para prestigiar palestras e oficinas com temas como controle alternativo de pragas, divisão e multiplicação de colmeias e coleta e processamento de produtos de abelhas sem ferrão.
A primeira palestra da manhã foi ministrada pelo meliponicultor José Carlos Haas que falou sobre “Meliponicultura e profissionalismo: propostas de manejo”. Ele abordou técnicas para tornar a atividade rentável. Nesse sentido, afirmou que é preciso tomar cuidado ao manusear as abelhas, caso contrário o enxame poderá ser prejudicado e até perdido em casos extremos.
Sobre a florada, disse que é preciso observar itens como: a florada principal, a duração e questões referentes ao clima, enfatizando que o aprendizado é constante. Sobre manejo, defendeu que as colmeias com gavetas são as mais apropriadas em razão da praticidade. Abordou ainda o manejo de algumas variedades como a Guaraipo, Mandaçaia e a Jataí, que é uma abelha poderosa com uma grande capacidade de produzir mel e se adapta bem em gavetas. Sobre a Mandaguari, comentou que esta espécie é de fácil manejo e, a exemplo da Jataí, também é boa produtora de mel.
Um dos principais assuntos debatidos no seminário envolveu o impacto do uso de agrotóxicos e a mortandade de abelhas, tema trazido pela doutora na área de Bioecologia de Abelhas, Generosa Sousa Ribeiro. De acordo com Generosa, um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) realiza, desde 2015, um estudo que integra a campanha Abelhas x Agrotóxicos, que tem o apoio do Ministério Público Federal. “Desde o começo de nosso levantamento foram mais de 100 análises feitas com abelhas mortas, tendo sido encontrados resíduos químicos em praticamente todas elas”, afirma.
Alinhado com o tema trazido pela doutora Generosa, estava o painel ministrado pelo assistente técnico regional da área de Sistema de Produção Vegetal da Emater/RS-Ascar, Derli Bonine. Além de falar da importância do manejo agroecológico para a manutenção dos enxames de abelhas, Bonine abordou o controle alternativo de pragas, lembrando que todas elas possuem inimigos naturais. “É uma questão de conhecimento”, observa.
Na avaliação do assistente técnico regional das áreas de Apicultura e Meliponicultura, Paulo Conrad, a abordagem proposta pelo evento desse ano foi ainda mais importante, uma vez que as abelhas têm papel fundamental na manutenção dos ecossistemas. Para Conrad não se trata de garantir lucro com a atividade e sim reconhecer o valor dos pequenos animais para o meio ambiente. “Não é por acaso que grande parte dos interessados nesta área atua muito mais pela paixão do que pelo resultado econômico”, analisa. “E o que vale em um Seminário como este é a troca de experiências”, completa.
O evento, que buscou promover a troca de conhecimentos entre os envolvidos, contou ainda com exposição de enxames e de modelos de caixas, distribuição de mudas e de estacas, degustação de mel e comercialização de enxames de espécies nativas. Participaram do encontro o prefeito de Arroio do Meio, Klaus Schnack, o gerente adjunto da Emater/RS-Ascar, Carlos Lagemann, o presidente da Amevat, Hugo Schmidt, e o deputado estadual Edson Brum, além de representantes da Federação Apícola do Rio Grande do Sul. O apoio à atividade foi da Articulação em Agroecologia do Vale do Taquari (AAVT) e da cooperativa Sicredi.
Pesquisadora defende investimentos em educação ambiental
Uma das principais palestras do seminário ficou por conta da especialista em bioecologia e nutrição de insetos, Dra. Generosa Souza Ribeiro. A pesquisadora baiana é referência nacional em meliponicultura, com 16 anos de experiência científica, e isenta de contratos com grandes corporações.
Na palestra apresentou dados de um estudo da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) que integra a campanha Abelhas x Agrotóxicos, que tem apoio do Ministério Público Federal. “Desde o começo do levantamento foram feitas mais de 100 análises com abelhas mortas, e encontrados resíduos químicos em praticamente todas as amostras”, afirma.
Por isso defende investimentos massivos em educação ambiental, uma vez que a maioria dos agricultores desrespeita as normas de aplicação de agrotóxicos, e uma transição no modelo de produção agrícola.
Conforme a pesquisadora, as indústrias de alimentos e fábricas de agrotóxicos até se mostram preocupadas em atender as normas estabelecidas pelos órgãos reguladores, mas infelizmente, muitos produtores fazem um uso indiscriminado de defensivos agrícolas, prejudicando a meliponicultura e, consequentemente, a saúde humana.
Por falta de conhecimento, desrespeitam uma normativa do Mapa que estabelece questões relativas à temperatura, que não deve ultrapassar os 30°C no momento da aplicação de agrotóxicos; a umidade relativa mínima de 50%; velocidade do vento máxima de 10 km/h; e distância mínima, que varia entre 250 e 500 metros, de áreas habitadas, APPs e criação de animais devem ser respeitadas.
Alerta que os vizinhos precisam entender que todos têm o dever de zelar pelo meio ambiente. As abelhas nativas voam um raio de 2,5 km para colher o pólen. E a legislação prevê que quem aplicar agrotóxicos tem de informar os vizinhos criadores num raio de até 6 km, com 48 horas de antecedência, para que possam confinar os enxames. “Matar abelha nativa é crime ambiental”, revela.
Faz uma série de ressalvas quanto a importância de um ecossistema equilibrado e cita o Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, como um instrumento de controle social. Criado há cinco anos, o Fórum é liderado pelo Ministério Público Federal, e conta com apoio dos MP estaduais. “É preciso conscientizar sobre a importância de conciliar a criação de abelhas nativas e produção agrícola, já que 70% dos alimentos consumidos por humanos dependem da polinização de abelhas”, justifica.
Segundo ela, um tutorial permite acompanhar legislação e prática, e denunciar discrepâncias e reaver prejuízos na justiça. Recentemente quatro casos de mortandade de abelhas levaram a denúncias graves, pois foi comprovado a intoxicação com venenos de uso agrícola, alguns proibidos no Brasil, como o chumbinho, em amostras de enxames mortos.
O primeiro passo, segundo ela, é registrar o meliponário no órgão competente. Segundo passo é registrar o boletim de ocorrência em caso de mortes ocasionadas por envenenamento e então ingressar na justiça para requerer a indenização. “Em um desses processos o criador que também é ambientalista perdeu 1,8 mil colmeias e está requerendo na justiça, mais de R$ 4 milhões. O cálculo se refere não só à perda dos enxames, mas ao valor que essa atividade renderia ao longo dos anos, uma vez que o enxame produziria mel e pólen por vários anos”, explica.
Abordou também o fenômeno conhecido como Síndrome das Mandaçaias, que ocorre no mês de março, no qual se acreditava que as abelhas desapareciam em razão de alguma substância tóxica advinda de plantas que floresciam nesse período. Entretanto, a tese caiu por terra com a comprovação em testes realizados em laboratórios independentes, de que não havia substâncias tóxicas advindas das plantas e sim uma percentagem significativa de resíduos de agrotóxicos que foram encontrados nas amostras coletadas em Passo Fundo, Venâncio Aires e Arroio do Meio.
Um artigo citando o resultado será escrito e posteriormente entregue ao Fórum Gaúcho de Combate aos Agrotóxicos para tornar o assunto público.
Por fim defende uma fiscalização mais rígida em torno da comercialização de agrotóxicos no mercado interno e fronteiras, e aplicação. “Quanto mais forte o movimento de criadores de abelha sem ferrão, melhor a proteção e a conservação da fauna e flora, e saúde pública […] É possível sim alimentar a nação sem agrotóxicos. Não consumimos (diretamente) grandes culturas de veneno e há outras alternativas para alimentar os animais. Temos exemplos bem sucedidos de fazendas, como a São Francisco, que produz mais de 20 mil hectares de café e açúcar, com barreiras agroecológicas. Proteger o meio ambiente, incluindo os inimigos naturais das pragas como forma de equalizar o ecossistema. Já os agrotóxicos desequilibram tudo. Vários estudos no mundo apontam para essa tendência e países já baniram os agrotóxicos. Quanto mais vizinhos produzirem o orgânico, maior o controle natural das pragas numa determinada região. Há uma vasta linha de defensivos naturais. Nosso solo está viciado e é preciso desintoxicar imediatamente. Arroio do Meio e microrregião podem ser um laboratório”, assegura.


