O Natal, como tantos outros eventos, sofreu profundas mudanças na maneira de comemorar ao longo do tempo. Já escrevi neste espaço que no meu tempo de guri, quando a ligação do bairro Bela Vista com a cidade era feita numa estrada de chão batido, a noite do dia 24 de dezembro obedecia a uma intensa programação festiva. Para isso, a gente se preparava meses a fio com ensaios e simulações para passar a noite feliz com a família e amigos.
Antes de abrir os presentes sob um frondoso pinheiro natural ricamente ornamentado com bolas, enfeites e barba de pau – nada de árvores artificiais fabricadas da China! – íamos ao culto na Igreja Luterana São Paulo, sempre vestindo a melhor roupa, a chamada “domingueira”! Ali por horas a fio cantávamos músicas em português e alemão, ganhávamos um pão de mel em formato de Papai Noel e éramos ovacionados pelo público que lotava o local.
Na saída da igreja todos se cumprimentavam, desejando um feliz Natal. Só então íamos para casa. Antes do grande momento, porém, éramos submetidos a uma nova rodada de cantoria. Outra vez em alemão e português. “O Tannenbaum” era campeão da preferência dos familiares, juntamente com “Noite Feliz” e faziam os mais velhos chegar às lágrimas.
Não esqueça: sempre é tempo de resgatar os sentimentos que permeiam o espírito natalino
Somente aí, depois de todas as formalidades cumpridas, é que tínhamos o direito de receber os presentes. A abertura dos pacotes era feita de maneira comedida. Eu tinha um ritual que consistia em receber o mimo e apalpar o conteúdo, tentando descobrir do que se tratava.
Se a consistência interna fosse macia, minha cara denunciava toda minha decepção. Odiava roupas. Fossem bermudas, camisetas, calções e até meias de futebol. Meu negócio eram carrinhos, bolas e congêneres. Isso me custou vários castigos, como ficar sentado no quarto escuro, sem os presentes, ouvindo o alarido e os gritos de alegrias dos parentes felizes.
Atualmente pouca gente vai à igreja na noite de Natal ou reúne toda a família. No máximo organiza uma ceia e, alguns casos, a gurizada precisa esperar até a meia-noite do dia 24 de dezembro para matar a curiosidade do monte de embrulhos sob a árvores de plásticos e pisca-piscas Made in China.
São outros tempos, mas sempre é possível resgatar alguns sentimentos que permeiam o espírito natalino. Como tentar uma reconciliação com um amigo de relações estremecidas, um parente que causou um atrito há tempo ou apenas ser solidário, ajudar alguém necessitado ou uma entidade beneficente.
Falta pouco mais de uma semana. Dá para fazer muitas coisas. Pense, reflita. E depois, aja com sobriedade digna do espírito de Natal!

