O silêncio é a trilha sonora para recordar estas semanas que precedem o Natal. Não os natais recentes, claro que não. Falo do tempo em que nós – que hoje somos avós – em que nós éramos crianças.
Se me concentro para evocar barulhos, consigo ouvir algum có-ri-có-có extraviado, vozes de adultos… Quem sabe, um latido ou um sabiá insistente no quintal, além do ruído de um motor na rua e das nossas risadas e conversas. Só. Aquela época não era barulhenta. Faltava muito ainda para a gente precisar de vários aparelhos ruidosos, ligados todos ao mesmo tempo. Fico pensando que o sentido da audição surfava na maior folga. Ao menos na comparação com o que viria depois.
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Por esta altura do ano já tínhamos chegado ao esperado mundo das férias, as quais durariam até o mês de março. Férias longas pareciam o perfeito contrapeso para o rigor da escola. Janeiro e fevereiro eram meses sagrados de recesso. Penso neles e me vêm à mente os cascalhos escaldantes junto ao rio, que era preciso atravessar para mergulhar no frescor da água. Vêm à mente as longas noites de calor e de mosquitos. Mas isso nas férias. Antes do Natal era outra coisa. Em dezembro, o pensamento pertencia ao domínio do Natal.
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A preparação doméstica do Natal era um roteiro cheio de detalhes. Neste campo havia duas metas principais: botar a casa em dia e preparar comidas. Botar a casa em dia não significava arranjar decoração, enfeites. Referia atividades como escovar, arrumar, descartar, pintar. Aliás, faxina era coisa que a família encarava em mutirão. Não sobrava pedra sobre pedra. Do assoalho às paredes e à última das gavetas, tudo era revirado, limpado, renovado. Tinha de ficar tinindo.
Penso que essa operação-limpeza dava mais chance para revisão de alma, que é a essência do Natal. Hoje se contratam dedetizações, limpeza de tapetes, cortinas, estofados e o tempo se evapora no afã de enfeites para a casa, ao estilo que as revistas mostram.
Decorar a casa era coisa para fazer na véspera ou antevéspera do Natal, quando um pinheirinho entrava para a sala. Ninguém pensava que pinheiro pudesse ser artificial. Pinheiro era pinheiro. Árvore. Com o pinheiro também chegava a hora do presépio. Montar a cena do nascimento de Jesus era desafio ao engenho e arte, que a família ia repetindo e aprimorando de ano a ano.
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No capítulo das comidas, lembro das latas cheias de biscoitos, aqueles feitos com sal amoníaco – que na altura se pronunciava salamunhaco – biscoitos com formato de estrelas, anjos, corações e recobertos por uma camada de merengue branco e açúcar colorido. Biscoitos preparados em casa, claro. Não constituíam exatamente um petisco, na minha avaliação. Mas tinham uma vantagem imbatível sobre qualquer outro quitute. Era deles o mais legítimo cheiro e gosto do Natal.
E mais não conto, porque acabou o espaço.