A partir do decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro na terça-feira, no Palácio do Planalto, cidadãos brasileiros com mais de 25 anos podem comprar até quatro armas de fogo para guardar em casa. O texto regulamenta o registro, a posse e a comercialização de armas de fogo e munição no país, uma das principais promessas de campanha de Bolsonaro.
Citando o referendo de 2005, em que a população rejeitou a proibição do comércio de armas de fogo, Bolsonaro argumentou a necessidade do decreto. “O povo decidiu por comprar armas e munições, e nós não podemos negar o que o povo quis naquele momento. Em toda a minha andança pelo Brasil, ao longo dos últimos anos, a questão da arma sempre estava na ordem do dia. Não interessa se estava em Roraima, no Acre, Rondônia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina ou Rio de Janeiro”.
O decreto entrou em vigor, após sua publicação no Diário Oficial da União, feita de forma extraoficial ainda na terça, e refere-se exclusivamente à posse de armas. O porte de arma de fogo, ou seja, o direito de andar com a arma na rua ou no carro não foi incluído no texto.
Critérios
Os cidadãos deverão preencher uma série de requisitos, como passar por avaliação psicológica e não ter antecedentes criminais. O que muda com o novo decreto é que não há necessidade de uma justificativa para a posse da arma. Antes esse item era avaliado e ficava a cargo de um delegado da Polícia Federal, que poderia aceitar, ou não, o argumento.
O que muda com o decreto?
O decreto trata da posse de armas, ou seja, o cidadão poder ter uma arma em casa. Com o decreto, poderá adquirir uma arma quem morar em cidade ou estado onde a taxa de homicídios seja superior a 10 para cada 100 mil habitantes, morar em áreas rurais, for dono de estabelecimentos comerciais ou industriais, militares, for agente público que exerce funções da área de segurança pública, administração penitenciária, integrantes do sistema socioeducativo lotados nas unidades de internação, da Agência Brasileira de Inteligência e no exercício do poder de polícia administrativa e correcional em caráter permanente ou for colecionador, atirador e caçador, devidamente registrado no Exército. Antes, a necessidade de ter uma arma era avaliada e ficava a cargo de um delegado da Polícia Federal, que poderia aceitar, ou não, o argumento.
O decreto anterior estabelecia que o registro deveria ser renovado a cada três anos, nos casos em que o Exército é responsável pela expedição, e a cada cinco anos, nas situações sob responsabilidade da Polícia Federal. O decreto publicado hoje unifica esses prazos em 10 anos.
Quem poderá ter a posse de arma?
A posse de arma de fogo de uso permitido pode ser concedida a quem atender aos requisitos dos incisos I a VII do caput do Artigo 12 do Decreto nº. 5.123, de 2004:
I – declarar efetiva necessidade; II – ter, no mínimo, vinte e cinco anos; III – apresentar original e cópia, ou cópia autenticada, de documento de identificação pessoal; IV – comprovar, em seu pedido de aquisição do Certificado de Registro de Arma de Fogo e periodicamente, a idoneidade e a inexistência de inquérito policial ou processo criminal, por meio de certidões de antecedentes criminais da Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral, que poderão ser fornecidas por meio eletrônico; V – apresentar documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa; VI – comprovar, em seu pedido de aquisição do Certificado de Registro de Arma de Fogo e periodicamente, a capacidade técnica para o manuseio de arma de fogo; VII – comprovar aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestada em laudo conclusivo fornecido por psicólogo do quadro da Polícia Federal ou por estar credenciado.
Se eu conseguir a posse, isso significa que poderei sair na rua com a arma?
Não. A posse dá direito de manter a arma apenas em casa ou no trabalho. Para sair da residência com a arma, é preciso autorização para o porte, que garante ao cidadão circular com a arma fora de casa, trabalho ou estabelecimento comercial, ou seja, poder andar com ela na rua. O porte de arma não é objeto do decreto.
Quantas armas posso ter registradas em meu nome?
Não existe limite legal da quantidade de armas a serem registradas por cidadão. O decreto presidencial, em algumas situações, limita a aquisição de até quatro armas. Nesses casos, se o indivíduo tiver interesse em adquirir mais armas, deverá comprovar a efetiva necessidade. Se a pessoa tiver mais de quatro armas registradas e comprovar a necessidade de mais, poderá conseguir autorização para compra das demais.
Poderei ter em casa fuzis, metralhadoras ou armas automáticas?
Não, o decreto somente facilita a posse de armas de uso permitido e não inclui armas de uso restrito, como armas automáticas ou fuzis.
Perdi o prazo de regularização das armas. Poderei ser anistiado?
O decreto não prevê anistia para quem perdeu o prazo para recadastramento, que terminou em 2009. Essa medida demanda mudança legislativa, que só pode ser feita por meio de lei. O decreto prevê a renovação automática dos certificados de registro de arma de fogo expedidos pela Polícia Federal antes da data de publicação do ato, e ainda vigentes, pelo prazo de 10 anos.
Por quanto tempo valerá a autorização de posse de arma?
O prazo passou de cinco para 10 anos com o decreto.
Como faço para solicitar o registro e quais os documentos necessários?
Primeiro, o interessado precisa obter uma autorização da Polícia Federal para comprar a arma. Para isso, deve preencher os requisitos previstos no Artigo 12 do Decreto nº. 5.123, de 2004. Depois de comprar a arma, deve-se ir a uma unidade da Polícia Federal para fazer o registro com os seguintes documentos: requerimento preenchido disponível no site da PF, autorização para adquirir arma de fogo, nota fiscal de compra da arma de fogo e comprovante bancário de pagamento de taxa devida por meio da Guia de Recolhimento da União – GRU.
Onde devo guardar a arma?
Em um local seguro, como um cofre ou um local com tranca, de difícil acesso por parte de crianças, adolescentes ou pessoas com deficiência mental.
Se eu não tiver um cofre para guardar a arma, serei punido?
Se, na residência houver criança, adolescente ou pessoa com deficiência, o interessado deve se assegurar que a arma seja armazenada em segurança, pode ser um cofre ou local com tranca. Será exigido do interessado a apresentação de declaração de que mantém a arma em um cofre ou local com tranca. Se a criança, adolescente ou pessoa com deficiência tiver acesso à arma por falta de cuidado do responsável, este incorrerá na prática do crime de omissão de cautela do art. 13 da Lei nº 10.826/2003, com até dois anos de prisão.
Venda de armas de fogo deve aumentar
Para o gerente de uma loja especializada em artigos de pesca e caça, Tiago Carvalho, o decreto presidencial terá impacto direto na aquisição de armas de fogo. Estima uma alta entre 30% e 40%, o que é positivo para o lojista. Salienta que o aumento da demanda já é perceptível, muito em função de o tema voltar a ser debatido pela sociedade. Boa parte das pessoas desconhecia o fato de que era possível adquirir uma arma de forma legal, desde que o comprador se enquadrasse nos pré-requisitos.
O decreto do presidente Jair Bolsonaro apenas facilitou a aquisição, o registro e a posse. O procedimento padrão, de atestar idoneidade, condições psicológicas e habilidade no manuseio, se mantém. Na Região, o exame psicológico e o de tiro, são feitos em Lajeado, por profissional de psicologia e instrutor de tiro credenciados junto à Polícia Federal. “Acredito que o que ficou mais fácil foi a parte de não precisar comprovar a necessidade de ter uma arma. Antes a pessoa tinha que preencher uma declaração a próprio punho e um delegado da Polícia Federal decidia se ela podia ter a arma ou não. Agora é mais simples e rápido, se não preencher os critérios, não vai poder comprar”, aponta, lembrando que o porte continua sendo restrito.
A aquisição de armas é fragmentada em três categorias: esporte (tiro esportivo, modalidade olímpica), defesa pessoal e clubes de tiro. Na loja em que Tiago atua, 90% das armas adquiridas são para defesa pessoal. Ele não sabe precisar quantas foram comercializadas no ano passado, mas aposta no crescimento das vendas e também na alta dos preços. Além do valor do armamento, é preciso fazer o registro, que agora terá validade de até 10 anos, e custa, em média, R$ 440.
Porte continua restrito
O delegado da Polícia Civil Juliano Stobbe observa que o porte não foi liberado e que os cidadãos precisam estar cientes disso. “Não é porque a arma é legal que o cidadão pode portá-la na rua”, observa, salientando que a polícia vai fiscalizar e, o cidadão que estiver em desacordo terá a arma recolhida e irá responder pelo crime de porte ilegal de arma de fogo.
Pessoalmente, Stobbe diz que não acha ruim que as pessoas que atendam aos pré-requisitos tenham armas nas suas residências. “O que não se pode é confundir a posse e o registro com o porte”, observa, destacando que a população pode denunciar situações que fogem à lei. Também destaca que a compra de uma arma de fogo legal não é algo novo como parece. Antes a aquisição e posse também eram permitidas e o decreto apenas flexibilizou algumas regras.
Ele considera importante que o proprietário esteja ciente dos cuidados necessários e guarde o armamento de forma adequada, a fim de evitar acidentes. Da mesma forma, recomenda a quem possui ou vai adquirir uma arma de fogo para ter cuidado ao falar sobre a aquisição para não acabar sendo vítima de furto ou roubo.
Entusiasmo exacerbado
O técnico do escritório da Emater de Arroio do Meio, Elias de Marco, conta que a posse de armas é um assunto recorrente no meio rural. No entanto, nem todos os agricultores desejam possuir uma arma de fogo em casa. Nas suas visitas e conversas, percebe que muitos apenas estão entusiasmados pelo fato de que agora o assunto voltou à tona. “Armar o povo me preocupa, não sei se é vantajoso. Temos uma cultura pacífica, de gente do bem, não temos brigas em comunidades como acontece em outras regiões. Nossa índole, enquanto comunidade, não é de violência. Armar o povo que não é violento pode não ser bom. Me preocupa esse entusiasmo de que se resolve a criminalidade armando o povo”, argumenta, observando que podem, inclusive, acontecer acidentes graves e fatais e a família se tornar visada por criminosos que desejam roubar o armamento.
Sensação de segurança é algo pessoal
A delegada de polícia Márcia Scherer, acredita que o decreto presidencial ficou aquém do que a maioria das pessoas estava esperando. Havia a expectativa de alguns setores de que qualquer pessoa poderia portar arma – o que é carregar a arma na rua e/ou no carro. “O que aconteceu com o decreto do presidente Bolsonaro foi facilitar um pouco o acesso à posse de armas. Melhor dizer é que foram estabelecidos critérios mais claros quanto a definir em que situações o cidadão pode requerer a concessão da posse de armas de fogo. Antes isso era uma decisão com mais amplitude discricionária dada ao delegado da Polícia Federal. Juridicamente falando, agora a decisão da autoridade estará mais vinculada às situações previstas no decreto presidencial”, avalia.
Para a delegada, o fato de pró ou contra ter-se armas em casa dependerá do aspecto, no caso concreto, a quem pertence o fator surpresa, ou quem viu quem primeiro: “em algumas situações, se o morador vê o criminoso se aproximando da casa antes deste avistar o morador, tendo esse uma arma na mão, poderá repelir a ameaça fazendo disparos de advertência. Na zona rural também vale a pena para repelir invasão de algum animal que oferece risco. Em todas as situações não valerá a pena porque muitas casas exatamente têm sido arrombadas na busca de armas – que são revendidas para o submundo do crime; também quando o fator surpresa é do invasor da casa a arma não servirá para a defesa do morador”. Lembra também que o próprio decreto presidencial prevê que se deve ter um cuidado muito grande ao guardar a arma na casa para que ela não seja alcançada por crianças ou pessoas com deficiência.
Questionada se estar de posse de uma arma oferece mais segurança para um cidadão comum, a delegada destaca que há prós e contras. “Também é de se considerar que a sensação de segurança é algo bem pessoal de cada indivíduo. Essa necessidade também vem acompanhada por aspectos culturais: se existe a cultura na família de se possuir armas, provavelmente os indivíduos daquela família entenderão que devem ter armas para estarem tranquilos. Já quando não há essa cultura, a pessoa não sentirá a necessidade de uma arma de fogo para sentir-se segura”, afirma.
Sobre a relação da posse de arma de fogo e a violência doméstica, Márcia afirma que a Lei Maria da Penha prevê, como uma das medidas protetivas de urgência que a vítima de violência doméstica pode requerer, é o recolhimento da arma de fogo do agressor, exatamente para que se evite potencializar a capacidade deste de ferir ou matar a vítima. “E, de fato, nessas condições, tem-se recolhido armas. O alerta que se faz é que se deve sempre ter consciência da letalidade de uma arma de fogo e, se sentindo necessidade de possui-la, sempre manter a vigilância e o cuidado sobre ela”.