Estava assistindo a uma entrevista antiga que Tom Jobim (1927 – 1994) deu ao jornalista Roberto D’Avila. Tom Jobim ou Antônio Carlos Jobim, como se sabe, foi maestro, compositor, cantor, pianista, violonista de projeção internacional. A entrevista é longa e poética, entremeada do dedilhar ao piano e de evocações musicais. Admiradora de carteirinha que sou do Tom acompanhei o programa emocionada.
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Tom é considerado um dos grandes músicos da segunda metade do século XX. “Garota de Ipanema”, composição dele e de Vinícius de Morais, figurou entre as dez músicas mais tocadas no mundo. Pois bem, na entrevista Tom falou de tudo um pouco. Sem fazer pose de gênio – como, aliás, poderia se dar ao direito de fazer – preferiu se apresentar como um trabalhador e até lamentou trabalhar demais e não ter tempo para quase mais nada. Sobre a sua obra, destacou mais a transpiração do que a inspiração. Disse ser capaz de consumir meses burilando uma canção, até se dar por satisfeito.
Tom Jobim falou também de tristezas. Lembrou a infância e mencionou a falta que o pai lhe fez – o pai, Jorge de Oliveira Jobim, faleceu quando o artista tinha apenas oito anos de idade. O remédio que encontrou na maturidade, já que continua sentindo falta do pai, o remédio foi agir como se ele fosse seu próprio pai – seja lá o que isto for.
No capítulo da profissão, não descreveu um mar de rosas. Pelo contrário, evocou dificuldades várias. Especialmente no convívio com os outros. Foi aí que ele disse uma coisa inesperada. Disse que não dá para passar uma vida sem inimigos. Se a gente tem amigos, também tem inimigos. É como o dia e a noite. São as duas faces da moeda.
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Interrompi a entrevista para pensar. A naturalidade com que Tom Jobim fala é encantadora.
As pessoas que cultivam a sinceridade admitem e toleram os sentimentos negativos. Em si mesmas e nos outros. Buscam mais verdade e menos faz-de-conta. Não vá você querer prejudicar as pessoas, ferir, matar – isto é diferente. Mas reconhecer desafetos, reconhecer que há maneiras de agir que se opõem às suas, reconhecer que há pessoas de quem não quer estar perto, parece antes saudável do que vergonhoso.
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Ao que dizem, os sentimentos varridos para debaixo do tapete acabam se vingando. Sentimentos represados, sentimentos dobrados no muque, para vir a público como gentilezas (o inverso do que são), voltam para atormentar. De um jeito ou de outro, voltam. Tipo as figuras que, na infância, ameaçavam chegar no escuro. Aquelas que ficavam debaixo da cama e vinham nos puxar o pé durante a noite…