Há oito meses, o casal Betina Röhsler Bersch, 32 anos, e Alexandre Heitor Schmidt, 40 anos, deixava Arroio do Meio carregando na bagagem os passaportes e o desejo de viajar pela Europa, vivenciando diferentes culturas. A ideia era a mesma para ambos que, ao contrário viajar para conhecer os pontos turísticos famosos das capitais, queriam o contato direto com os povos, as culturas e as vivências, numa verdadeira jornada de imersão.
O início dessa conexão ocorreu ainda no Brasil. “Nossa principal motivação foi o fato de ambos termos um imenso desejo de conhecer mais do mundo, mas de uma maneira mais imersiva e não tão turística, podendo realmente viver outras culturas. Na medida do possível, visitamos também pontos turísticos, mas percebemos desde as primeiras experiências que, para nós, o mais interessante da viagem são as pessoas”, explica Betina.
No velho mundo, a ponte de entrada foi Portugal, onde o casal ficou por três meses. De lá, os dois seguiram para a Irlanda, onde ficariam pelo mesmo período, mas a imigração restringiu o período para 30 dias. O destino seguinte foi a Inglaterra (81 dias), seguida de Viena, na Áustria (18 dias). “Como estávamos muito próximos da Eslováquia, também pegamos um ônibus até Bratislava e ficamos lá alguns dias. Agora estamos na Hungria há um mês. A ideia é ficar aqui até meados de maio, quando nosso prazo de 90 dias na Área Schengen vence novamente. Depois daqui, ainda não sabemos, ao certo, mas em princípio, iremos para a Romênia”, informa Alexandre.
Viagem de baixo custo e workaway
Alexandre é freelancer no desenvolvimento de softwares e Betina é terapeuta holística e faz atendimentos online de Reiki e ThetaHealing. A viagem não os impede de seguir com seus trabalhos, que são uma das fontes de renda do casal, junto do aluguel de um imóvel no Brasil.
Independente destas fontes, um dos objetivos deles é que a viagem seja de baixo custo. Para terem uma noção dos gastos, registram todos eles em uma planilha, de onde é possível gerenciar melhor os custos. “Até agora, tem dado muito certo. Nosso principal gasto é com transporte, já que raramente gastamos com alimentação e estadia. Até o momento, nosso saldo tem sido positivo. Em alguns casos, o local onde ficamos pode oferecer algum retorno financeiro, o que também ajuda a custear a viagem”, explica Betina.
O auxílio para custear as despesas vem em conjunto com a escolha dos próximos destinos onde o casal irá. Inscritos no site chamado workaway.info, eles pesquisam por anfitriões que estejam em busca de algum tipo de ajuda em troca de comida e hospedagem. Ali eles encontram tarefas que vão desde cuidar de animais, tomar conta da casa, ajudar no jardim, pintar cômodos, ajudar a cuidar das crianças, entre outros.
No site, o anfitrião publica o que precisa, sua disponibilidade, localização aproximada e o que oferece em troca (geralmente estadia, alimentação e intercâmbio cultural). O interessado faz contato e, se houver sintonia, a parceria ocorre. A política geral do workaway é quatro a cinco horas diárias de trabalho, cinco dias por semana, com direito a dois dias livres. Desta forma, o viajante consegue ajudar quem precisa, tem a oportunidade de viver a realidade do local onde está e tempo para explorar os arredores.
“Journey to inner self”
Não bastava apenas ajudar a si mesmos, durante toda essa jornada. Betina e Alexandre sentiram a necessidade também de ajudar a todos que procuram esta imersão em autoconhecimento e descobertas por meio de viagens. O casal criou, assim, o site Journey to inner self, numa tradução livre, significa “jornada rumo ao ‘eu’ interior”. “Nós dois vínhamos numa busca, em termos de desenvolvimento pessoal, a qual envolveu cursos de yoga, reiki, thetahealing e ayurveda. A viagem foi, no fim das contas, mais um passo. Agora que tínhamos algumas ferramentas, nos sentíamos inclinados a explorar e a conhecer mais do mundo”, contextualiza Betina.
A ideia de criar um site com esse nome foi surgindo quando ambos perceberam a quantidade de histórias que tinham para contar e a quantidade de perguntas que chegavam até eles, em relação à viagem. “Se você olhar o site “http://journeytoinnerself.tk:8080”, vai perceber que ele é um blog, ao mesmo tempo que é um site de dicas para viajantes. Nos permitimos colocar lá qualquer conteúdo que achamos relevante. A ideia é dividir com o mundo um pouco das experiências pelas quais passamos e, ao mesmo tempo, termos um registro disso tudo”, completa.
O site, que já está no ar há algumas semanas, traz textos e fotos, além de dicas práticas. A primeira postagem conta como foi o começo da viagem e a chegada em Portugal.
Bate Papo
Oito meses conhecendo vários lugares e pessoas diferentes, pela Europa, rende muitas histórias e relatos emocionantes. Confira, abaixo, mais da entrevista feita pelo AT com Betina e Alexandre:
O que os levou a escolher Portugal como primeira parada?
Alexandre- Foram três motivos principais. Primeiro, encontramos uma promoção de passagem aérea que consideramos imperdível. Segundo, sempre ouvimos dizer que a entrada na Europa por Portugal costuma ser mais fácil do que por outros países, tanto pela relação Brasil/Portugal quanto pela questão da língua. Terceiro, a Betina tinha praticamente uma família em Portugal, pois já tinha ido para lá, quando fez intercâmbio pela Univates. Isso significou um “porto seguro” para nossa chegada.
Onde vocês estão atualmente?
Betina- No momento, estamos em um camping para motorhomes na Hungria, em uma vila chamada Koppányszántó – pronuncia-se cópain-zánto. Assim como em praticamente todos os outros lugares por onde passamos, aqui também estamos fazendo o que chamamos de “workaway”, que resumidamente significa trabalhar algumas horas por dia – raramente passa de quatro horas diárias, durante cinco dias da semana – em troca de alimentação, hospedagem e intercâmbio cultural. Vale lembrar que esse último tem sido, sem dúvida, o mais significativo. Neste camping, nossa acomodação é uma caravan que, no Brasil, costumamos chamar de trailer.
Quais as principais dificuldades ao viajar/mochilar?
Betina- Para nós, o mais difícil foi dar o primeiro passo. Quando finalmente definimos um destino (Portugal) e tínhamos investido na compra da passagem, a partida se tornou quase uma obrigação. Tínhamos o “compromisso” de ir. Uma vez que você parte, a principal dificuldade passa a ser a comunicação. Isso ficou mais evidente quando saímos de Portugal em direção à Irlanda. Não importa se seu inglês é bom, a hora de encarar o policial da fronteira e explicar o que você veio fazer no país é sempre tensa. A situação se agrava um pouco, quando você sai de um país que fala inglês e parte para outro, que fala alemão (no nosso caso, a Áustria). Mas fica incrivelmente difícil quando você precisa pegar um trem num país como a Hungria, por exemplo, onde literalmente não se entende nenhuma palavra (risos) e praticamente ninguém fala inglês.
Quais conselhos vocês dão para quem quer se aenturar em outro país?
Betina- O primeiro conselho é “vá!”. Sentimos que muita gente adoraria viajar, mas fica só na vontade, muitas vezes não por falta de condições, mas por falta dessa coragem de partir rumo ao desconhecido. Por experiência, podemos dizer que somos mestres no auto boicote. Inventamos as mais diversas desculpas por não termos, no fundo, a coragem necessária para esse tal “primeiro passo”.
Saindo um pouco do lado filosófico e partindo para o prático: Tenha seus documentos em dia. Nunca tente enganar os policiais das fronteiras. Na Irlanda, passamos por um verdadeiro interrogatório e acreditamos que só nos deixaram entrar porque fomos muito sinceros. Carregue o mínimo de bagagem possível. Se a língua for totalmente estranha, tente ao menos aprender o mínimo.
Como é a rotina de vocês?
Alexandre- O dia a dia costuma variar conforme o local. Em alguns lugares, temos mais tempo para nós. Em outros, passamos mais tempo com os proprietários. Uns preferem acordar e ir dormir conforme a luz do dia. Outros preferem dormir até mais tarde. Em Macroom, na Irlanda, por exemplo, nossa tarefa foi tomar conta da casa e dos animais, enquanto os proprietários passavam férias em Tenerife. Já em Wing, na Inglaterra, acordávamos todos os dias antes do sol nascer para ordenhar nove vacas (risos).
Até agora, quais foram os momentos mais marcantes?
Betina – O momento mais marcante foi o encontro com Tanya (nossa anfitriã em uma cidade chamada Westbury-On-Severn, na Inglaterra). Estávamos vindo de um lugar onde a experiência não foi tão positiva e, quando chegamos na nova residência, Tanya abriu os braços, olhou fundo nos meus olhos e disse “bem-vinda ao lar”. Naquele momento, me senti em casa, segura e amada. Aprendi que um abraço pode melhorar o dia de uma pessoa. Jamais esquecerei!
Alexandre – Para mim foi quando, em Portugal, fomos colocados para fora de um trem pelo fiscal que nos acusou de estarmos tentando fraudar o sistema, por viajarmos com tickets inválidos, quando na verdade o problema foi no sistema da Comboios Portugal, que emitiu os bilhetes incorretos. Fomos enxotados do trem numa estação que não fazíamos a menor ideia de onde ficava. Não tínhamos comunicação e a companhia estava em greve, de forma que não havia como trocarmos bilhetes ou mesmo comprar novos. Foi muito difícil manter a calma e vimos como as coisas podem ficar feias de uma hora para outra. No nosso site, contaremos na íntegra o desfecho dessa história.
Mantêm contato frequente com as famílias e amigos no Brasil?
Betina- Sim, inclusive um dos nossos requisitos para aceitar ir para um novo local é que ele ofereça internet, mesmo que limitada. Não somente para comunicação com família e amigos, mas também porque a internet é nossa ferramenta de trabalho. Sempre que vamos trocar de lugar, avisamos nossas famílias que estaremos em trânsito, para onde iremos e como. A ferramenta que mais utilizamos para comunicação é o WhatsApp.