Mesmo com toda a modernidade que escancara todo o tipo de conteúdo, a morte ainda é um tabu. Rezam os bons costumes – por exemplo – que crianças não devem ir a velórios. Isto, é uma involução, já que na minha época de piá – nos idos dos anos 60 – isso era normal.
À noite, ao rezar, todos agradecem “por mais um dia”. Jamais se pensa que, na realidade, “é um dia a menos de vida”.
Meus filhos – sempre eles – e minha mulher me xingam, quando eles querem agendar um compromisso.
–Pai, na sexta-feira vou trazer uns amigos aqui em casa. Tu podes assar um churras pra gente? – indagam os pimpolhos de 23 e 25 anos.
A minha resposta é automática:
– SE eu estiver vivo… não tem problema!
Diante da revolta geral, sempre argumento:
– Um dia vocês dirão: “puxa vida… não é que o velho tinha razão? Hoje ele não está vivo pra fazer o churras!”.
Perto de ser sexagenário, penso com frequência na finitude da vida. Faço balanços pesando fracassos e conquistas. Falar de causos antigos virou rotina na roda entre amigos. E para ser sincero com você, prezado (a) leitor (a), confesso que não luto contra isto.
Não tenho vergonha de confessar que tenho orgulho de muitas coisas que fiz e conquistei. Em nenhum dos papéis que desempenho – como pai, marido, colega, jornalista, cidadão e condômino, entre outros – me acho “o cara”. Sou, como costumo dizer, nota seis ou cinco ou sete, no máximo
Estou catalogando episódios que alegram meu
coração, iluminam a alma, adoçam minha rotina
Não tenho muitos talentos. Por isto, tento compensar a falta de inspiração – ou competência – com transpiração. Ralo muito, acordo cedo, tento me manter atualizado, pago as contas em dia (quase todas) e prezo muito, mas muito mesmo, a fidelidade em todos os ambientes, principalmente nas amizades.
Aqui vai uma confidência: tenho curiosidade em saber o que dirão de mim quando desencarnar. Todo mundo tem esta preocupação, mas não adianta, usam de falsa modéstia. E isto não inclui o tradicional “ah… morreu tão cedo, ele/ela era tão bom!”. Não! Falo de legado, de recordações que marcaram a nossa trajetória terrena, realizações, bons exemplos ou episódios que ficarão marcados nos corações e mentes daqueles que compartilharam da nossa companhia.
Esta crônica, como vocês podem notar, é o reflexo do sentimento que permeia o momento deste jovem idoso. Sim, é isto mesmo. Afinal, existe o jovem aprendiz, o adulto jovem e, agora, enfrento a fase de pré-terceira idade, que muitos insistem em chamar de “melhor idade”. Será mesmo? Em breve poderei relatar neste espaço a veracidade da expressão.
Até lá continuo catalogando episódios que alegram o coração, iluminam a alma, adoçam minha tendência (quase crônica) à birra e à discussão permanente. Tem muita coisa boa para recordar, graças aos afetos que colhi ao longo da vida. E isso – plagiando aquele comercial – não tem preço!