A pressa é uma invenção recente.
Melhor dizendo, este estado de pressa em que estamos nos habituando a viver é uma novidade.
Por incrível que pareça, nem sempre se viveu assim em brasas. Nem sempre houve esta agonia por enfiar mais coisas no mesmo espaço, esta correria que é tão comum agora.
Antigamente a vida cotidiana era distribuída numa rotina com tarefas a cumprir. As pessoas organizavam a rotina a partir da hora de levantar da cama. Uma vez de pé, vinham as atividades numa sequência lógica: vestir-se, tomar café, sair para o trabalho, voltar para o almoço, trabalhar, retornar para casa, por fim, ir para a cama. Tudo isso num horário mais ou menos fixo.
Cada atividade dessas demorava o tempo necessário. Quero dizer, café não era coisa para engolir com afobação. Cabia arrumar a mesa, cozinhar um ovo no ponto de agrado, passar manteiga no pão, mastigar e engolir sentindo o gosto de cada coisa. Depois sair, em geral, usando as próprias pernas. Os domingos começavam mais cedo, para dar tempo de ir na igreja, e o almoço era mais espichado, especialmente quando havia visitas em casa.
Pressa a gente tinha, por exemplo, ao acelerar o passo, quando acordara um pouco depois da hora. Ou tinha pressa em se arrumar para chegar cedo na festa e poder aproveitar mais.
Tudo cabia no tempo. Ou, então, o tempo tinha espaço para tudo o que queríamos fazer.
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À primeira vista, é difícil entender esta pressa de agora. Exatamente agora, quando temos máquinas para diminuir a duração das nossas tarefas. Cafeteira elétrica e micro-ondas aceleram a preparação do café da manhã. Máquina de lavar roupa dá conta de um trabalho que consumia horas. Fazer fogo para cozinhar praticamente desapareceu. Agora é só girar o botão do gás. Nem mais acender um fósforo é necessário. Computadores fazem maravilhas nos escritórios. Etc., etc.
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À medida que fomos nos liberando das atividades braçais parece que veio surgindo um tipo de soberba. Fomos nos sentindo o rei do gado. Começamos a dar as costas para os limites. Agora não só queremos fazer mil coisas, uma depois da outra. Queremos fazer mil coisas ao mesmo tempo e fazemos. Assistimos TV, ouvimos música, mexemos no celular, enquanto preparamos o almoço. Ou lavamos roupa e compramos passagens aéreas pela internet, na mesma hora e ainda dá tempo para bisbilhotar a vida alheia no facebook.
Em vez de ter ganhado horas para investir em encontros mais profundos ou na contemplação do pôr do sol – por exemplo – nós nos sentimos cada vez menos capazes de fazer isso. Vivemos num estado de aceleração interna que dificulta o silêncio e a profundidade.
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O tempo que algumas máquinas nos deram outras máquinas estão se encarregando de roubar…