Entre os dias 26 de abril e 5 de maio, um grupo de 15 de motoqueiros da região, presidido por Renê Reis dos Santos (gerente de compras da Balas Florestal), se aventurou em um trajeto de 5,4 mil km em suas motocicletas em direção à Cordilheira dos Andes. Como destino, o Salar de Uyuni, na Bolívia, o maior deserto da América Latina, com 160 km de extensão, situado na rota onde, desde 2009, passa o Rally Dakar. Entre os locais percorridos, no trajeto, conheceram paisagens deslumbrantes e vivenciaram momentos emocionantes e desafiadores nas províncias de Salta, Chaco, Jujuy e Corrientes na Argentina e em La Quiaca, no sul da Bolívia.
Entre os integrantes do Motoqueiros Selvagens, estão os arroio-meenses Fernando Schneiders, gerente de mercado da Fruki, e Márcio Rempel, diretor da Master Injetados, de Bom Retiro do Sul. O grupo conta com 15 membros, com idades entre 46 e 58 anos, que atuam no ramo empresarial ou exercem cargos de liderança em suas empresas.
O presidente Renê explica que a base dos integrantes é um grupo de trilheiros que, aos poucos, começou a comprar motos para asfalto. “Eu era um dos indecisos em migrar para a nova modalidade, considerando um investimento alto para deixar guardado na garagem. O filme Motoqueiros Selvagens de 2007 foi inspirador. Mas infelizmente, como previa, parte do pessoal amarelou no início, quando tentávamos organizar uma viagem e, acabei entrando de furão em outro grupo para ter a experiência”, revela.
Após muitas insistências, as primeiras viagens do moto grupo foram em território nacional, rumo à Serra do Rio do Rastro/SC, Ilha Bela/SP e região da serra do RJ. A tensão do trânsito, estrutura precária e marginalidade, em diversos pontos do Brasil, levaram os integrantes a optarem por outros países da América Latina e, aos poucos, conhecer o Uruguai, Chile e Argentina. O número de integrantes cresceu e a meta tem sido realizar uma expedição por ano.
A recente viagem foi programada há cerca de um ano. O roteiro foi traçado considerando os dias disponíveis, autossuficiência das motocicletas, visitações, gastronomia e hospedagem. O grupo ficou atento ainda a dicas de outros motociclistas, que já percorreram o trajeto e mapas de rotas e informações off-line. Paralelamente foi dada atenção especial ao preparo físico individual, especialmente o reforço muscular do tórax, para suportar longas jornadas em cima da motocicleta. O suporte com um carro de apoio deu mais eficiência, auxiliando em eventuais imprevistos e manutenções, além de possibilitar a troca de pilotagem quando alguém não se sentia bem.
A escolha por datas de meia estação ocorreu propositalmente para fugir de temperaturas muito extremas. Mesmo assim, os motociclistas enfrentaram seis graus negativos, onde era necessário colocar as mãos perto do motor, para amenizar a sensação térmica dos ventos cortantes. Lembrando que os volantes das motocicletas possuem sistema de aquecimento, também enfrentaram temperaturas de 30º graus, quase sufocantes debaixo de roupas pesadas e em meio a diversos equipamentos e utensílios. “Pior que o frio e o calor, só a chuva e a altitude. Choveu em três dias. O fato de estarmos atentos à previsão do tempo ajudava a antecipar trechos e sofrer menos com a intensidade das tempestades e precipitações”, revelam.
A altitude foi a sensação climática mais difícil, em decorrência do ar rarefeito e da pressão craniana. Falta de ar, cansaço e sangramento de nariz eram ocorrências comuns. Subir um nível de escadarias já gerava esgotamento. O chá de coca ajudava a aliviar os sintomas e foi muito recomendado por moradores locais. Uma das surpresas foi a economia de combustível que ocorreu devido às menores gravidades e presença de oxigênio no ar. A média passou de 18 para 30 quilômetros por litro. As motocicletas conduzidas eram do modelo Big Trail, de 800 a 1.200 cilindradas, desenvolvidas para viagens longas no asfalto e estrada de chão, com tecnologia de controle de tração, suspensão ativa e freios ABS.
Por dia, eram rodados entre 600 a 900 quilômetros e a distância entre cada povoado era de, aproximadamente, 80. “De dia optávamos por lanches leves e frutas entre os abastecimentos e bebíamos muita água, sem nada de bebida alcoólica. À noite fazíamos um happy hour, com refeições mais reforçadas, geralmente à base de carne de terneira ou lhama, batatas e acompanhamentos, e resenhas que remetiam a situações semelhantes ao filme, como: integração com hermanos, carteados, tombos de moto e seguir outros grupos na estrada por engano. E como também temos cozinheiros entre os membros, em muitas oportunidades, preparamos pratos com queijos, salames e carne assada na chapa em meio às paisagens como margens de rios”, contam.
A hospedagem foi feita em hotéis a beira da estrada ou dentro das principais cidades. O custo variava entre R$ 30 e R$ 120. Também existem campings no percurso, mas a opção foi descartada. Já o combustível tem preço semelhante ao do RS. Apenas na Bolívia, estrangeiros pagavam mais do que os habitantes locais, chegando a R$ 6. O custo total, envolvendo o deslocamento, hospedagem, refeições e diversão, ficou em torno de R$ 350 por dia, lembrando da importância de trocar reais por pesos argentinos e bolívares em espécie, devido à inoperância de operadoras de crédito.
Na Bolívia, um choque cultural quanto ao desenvolvimento socioeconômico, que parecia estar 50 anos atrasado com relação ao Vale do Taquari e a baixa expectativa de prosperidade. “É um povo muito humilde, receptivo e proativo. Parece ter saído da cultura indígena para a civilização recentemente. As casas são simples. Possuem quatro paredes e um telhado de zinco sem inclinação. Lá não chove. O principal acesso à globalização é pelo Youtube e Netflix”, revelam. Outro destaque foram os desfiles cívicos envolvendo crianças.
O sabor adocicado das frutas nos vales da cordilheira também foi enaltecido. Apesar de não chover, a humidade provocada pelas características atmosféricas e concentração de água no subsolo permitem irrigação por gotejamento. Fato que faz as videiras produzirem vinhos de altíssima qualidade.
A conservação das estradas, a segurança no trânsito e modelo de fiscalização policial, foram consideradas muito superiores às brasileiras. A velocidade normal é de 110 km/h. O número de caminhões não chegava a 10% dos que circulam no Brasil, isso porque o transporte de cargas é feito por hidrovias e ferrovias. Apenas 25km do trajeto não estava asfaltado, mas estava em obras.
Entre documentos necessários para uma expedição na América Latina estão o RG, documento do veículo no nome ou com procuração e a carta verde – a última apenas na Argentina. Entre sugestões estão levar o passaporte, utilizar coletes refletivos, ligar o sinal de alerta e reduzir a velocidade ao máximo nos postos policiais. “Os coletes também ajudavam a nos identificar enquanto grupo”, destacam.
Márcio Rempel, teve a honra de participar de sua primeira viagem com os Motoqueiros Selvagens, e revela que depois do segundo dia a fadiga foi superada. E, juntamente com Fernando, destaca que viagens como esta são revigorantes e enérgicas. “Nos fazem sair da zona de conforto e nos autodesafiar, superar adversidades e manter o espirito de grupo, flexibilizando pequenas divergências que são naturais. Além disto a sensação de liberdade em cima de uma motocicleta é de se arrepiar. Se pensa no que está se passando, se sente o cheiro de cada lugar e a mudança do clima. É bom sair, melhor ainda voltar para casa. E quem sabe no futuro retornar a estes locais com a família”, dimensionam.