Tenho curiosidade em saber se ainda existem cadernos de caligrafia à venda nas papelarias. São locais que visito com alguma frequência. Explico: sou obcecado por canetas, mas nada de marcas famosas ou modelos caros. Curto o tipo “tic-tac”, sem tampa, com mecanismo de apertar na extremidade para recolher a carga. Apesar das visitas periódicas às lojas, nunca lembro de procurar pelos tais cadernos.
Sempre gostei de caligrafia. Era uma disciplina obrigatória nos meus tempos de primário na Escola Luterana São Paulo, da querida Dorothea Suhre. Lembro com exatidão daqueles sábados de manhã, quando retirava de uma pasta verde, de plástico, o caderno encapado com capricho pela dona Gerti, minha mãe, para copiar exercícios do quadro negro.
“Fazer a capa” de todos os livros e cadernos era um dos meus passatempos preferidos. Na verdade, eu ficava apenas observando aquela mulher dotada de uma paciência infinita para medir e cortar o plástico, afixado com fita Durex.
-A gente precisa cuidar dos livros e cadernos com capricho. Por isso, uma capa tem o seu valor! – repetia minha mãe com voz baixa.
Voltando à caligrafia, recordo que, ao contrário das aulas de matemática, o tempo parecia voar. Em poucos minutos “o sinal batia”, anunciando o final da aula. Sempre tirei boas notas nessa disciplina. Caprichava na feitura dos exercícios e também no tema de casa.
Minha querida tia e professora foi inflexível
e me obrigou a abandonar a letra de imprensa
A “letra bonita” rendeu algumas vantagens. Nos tradicionais trabalhos em grupo, permanecia alheio aos colegas que ralavam na pesquisa de conteúdo da biblioteca e na discussão dos detalhes da apresentação para a turma.
Depois de diversos encontros – que quase sempre terminavam em briga – era hora do requinte de uma letra cursiva, dentro dos mais exigentes padrões de qualidade. De tanto exercitar eu era capaz de vislumbrar as linhas imaginárias do caderno de caligrafia. O resultado era uma grafia digna dos mais famosos pergaminhos e manuscritos da história.
Mesmo com a letra bonita, na adolescência redigia somente “com letra de imprensa”. Era uma tentativa de copiar a incrível habilidade do saudoso amigo Clayton Schuh que herdou do pai, Urbano, a habilidade dos letreiros. Tudo ia bem no Colégio São Miguel, mas ao desembarcar no Colégio Estadual Castelo Branco, o Castelinho, em Lajeado, fui obrigado a voltar à letra cursiva.
Minha querida tia e professora de português, Nelma Eronita Fritsch, foi inflexível e me obrigou a abandonar a letra de imprensa:
-O normal é isto mesmo, Niquinho… letra cursiva, como os mortais comuns. O resto é moda e não se fala mais nisso” – me disse que claros sintomas de que não haveria diálogo ou sequer discussão a respeito do assunto.
Obedeci sem hesitar, mas o ano foi um desastre, graças à amizade com os maiores agitadores do Castelinho e suas sonoras bagunças diárias. “Rodei de ano” – era 1977 – e caprichei: “levei pau” em matemática, física e química.
Hoje, alterno letra cursiva e de imprensa, dependendo do humor, da ocasião ou “quando dá na veneta”. Pelo linguajar desta crônica vocês podem imaginar a idade do autor. Até semana que vem!