Sou do tempo da carne de galinha.
– Você não sabe o que isso é?
Pois nem eu me dera conta, antes de ver matéria de divulgação da Teutofrangofest, realizada em Teutônia no fim da última semana.
A propaganda me alvoroçou a ponto de acabar buscando o site oficial da festa. Tudo muito bacana, programa variado e tal, mas não foi isto que produziu desassossego.
A questão foi o cardápio.
Havia a lista com quantidade inesperada de pratos meio estranhos: rolê de frango; filé de frango à doré; prensadinho de frango; coração na chapa com farofa; rissoles e mais ainda.
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Você não está entendendo por que falei em pratos esquisitos?
Pois é. Falei em nome do tempo da galinha.
Explico.
Antigamente se falava em carne de galinha. Nada de “frango”. Frango era o filhote, já desenvolvido, mas não adulto. Era um adolescente, que não sabia o que ia ser na vida – digamos assim. Quando ficasse pronto para a mesa, seria galinha. Na panela tudo era galinha.
Como é que se preparava a carne?
Você não vai acreditar, mas havia três ou quatro modalidades básicas. Pouca gente praticava mais alguma. Primeira modalidade: ferver longamente para fazer um caldo. Esse caldo serviria como introdução à refeição ou como a refeição propriamente dita, se fosse apresentado a algum doente. Aliás, todo mundo acreditava nos prodígios curativos de um caldo bem quentinho. Segunda modalidade: fritar a carne na panela para acompanhar polenta ou macarrão. Terceira: assar no forno. Quarta: fazer galinhada, ou seja, depois de a carne estar bem frita, acrescentar arroz. Desta combinação e seus temperos resultava a galinhada. E aqui faço um registro necessário. Justiça seja feita à galinhada: ela tinha prestígio ímpar. Se chegasse visita, saía uma galinhada; se fosse o caso de comemoração, lá vinha a galinhada. Galinhada não era para todo o dia. Era um prato com status.
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Veja você o que o tempo fez com a galinha – e a gente deixou passar como se fosse nada:
1 – A galinha se meteu num montão de pratos, a maioria com apelidos estrangeiros;
2 – Mudou o pedigree. De galinha passou a frango. Deixou de ser criada na colônia e tornou-se produto tecnológico. Virou celebrity. Agora é a rainha de uma festa na cidade;
3 – A antiga galinhada perdeu pontos na tabela (seria em função do nome?). Foi marginalizada, sem dó nem piedade. Nem primeira, nem segunda divisão. Até a Teutofrangofest não a coloca mais em campo.