As irmãs Geselda Therezinha, 83 anos de idade e Adiles Maria Käfer, 80, vivem tranquilas na Barra do Forqueta. Na casa centenária, construída em 1912 pelo avô Nicolau Käfer, recordam dos negócios da família e de uma Barra que foi transformada pelo tempo. Elas são filhas de Osvaldo e Maria Elydia Käfer e irmãs de Querino, Clarice, Astor Miguel e Asta Maria.
Lembram, com saudade, do período que eram crianças e tudo era muito diferente. A Ponte de Ferro não existia e a barca do avô Nicolau era a opção para a saída e a chegada, principalmente de alimentos. Geselda conta que, em função do armazém do tio Arthur Käfer e da barca, havia movimento na Barra. A estrada geral passava defronte ao armazém do tio, onde o comércio era muito forte. Os produtores rurais de Arroio do Meio e, principalmente de Travesseiro, traziam sua produção por meio de tropas. Ovos, galinhas vivas, grãos, frutas e demais produtos coloniais eram colocados nos barcos e levados para Porto Alegre. Da capital, voltavam produtos que não eram produzidos em Arroio do Meio ou nos distritos.
A tropa era grande e os animais, após a longa viagem entre morros, córregos e riachos descansavam à sombra das árvores do grande potreiro que o avô possuía. A chamada estrada velha, que segue a Lajeado, fazia parte deste potreiro. Da janela da cozinha, sentada numa cadeira, a avó Ana Augusta contava quantos animais ocupavam o potreiro e cobrava uma taxa de aluguel por cabeça.
O pai, quando jovem, foi funcionário da casa comercial do irmão, mas depois passou a dedicar-se somente à agricultura. A área de terras da família era muito grande. Boa parte do que hoje é o bairro Barra do Forqueta, inclusive do outro lado da ERS-130, pertencia, naquela época, aos Käfer.
Na infância, Geselda seguia a pé e descalça, pelo trecho de chão batido, até o Colégio São Miguel onde, na sequência, todos os irmãos estudaram. Não passavam automóveis, mas sim alguns cavaleiros, mulas e burros. Chegando defronte ao colégio, os pés eram limpos com um pano úmido levado numa sacola. Então era colocado o calçado, o único que possuía. Apesar das dificuldades da época as irmãs lembram que era um tempo bom e bonito. Tudo era mais simples.
A irmã mais velha relata que crescer à beira do rio Taquari foi uma experiência maravilhosa. O Taquari não era só o propulsor da economia. Era sinônimo da união de famílias e de muita alegria. No verão era comum as famílias ficarem à beira do rio no fim de tarde e fins de semana. A roupa também era lavada no Taquari e muitas mulheres se encontravam e aproveitavam para conversar enquanto trabalhavam.
As enchentes também deixaram lembranças. Geselda tinha entre cinco e seis anos de idade quando houve a famosa enchente de 1941. Lembra que foram muitos estragos, principalmente no meio rural. Uma das imagens que lhe vêm à mente é de um objeto grande e iluminado sendo carregado pela água. “O pai dizia: olha, lá vai uma casa. Tem luz dentro. Mas se era mesmo uma casa eu não sei. Eu era uma criança. Mas sei que foi uma enchente muito grande”.
Hoje, percebe Geselda, até o rio está diferente. Cada vez há mais desmoronamento da margem. Nota, com tristeza, as mudanças daquele que foi, por 33 anos, um companheiro de trabalho. Assim como o pai o fez por mais de 10 anos, Geselda trabalhou para o Departamento Estadual de Portos Rios e Canais, o Deprec. Todos os dias, fazia chuva ou sol, ia até a margem e anotava a altura do rio.
A Ponte de Ferro
Considerada um marco para Arroio do Meio, a Ponte de Ferro, inaugurada em 1939, foi o início de uma nova fase também para a família Käfer. Geselda lembra da inauguração e do grande número de pessoas que estiveram presentes, tanto que faltou comida. “Eu ganhei um balão e ele logo estourou. Quase me matei chorando. Era uma coisa nova, diferente para uma criança, isso eu lembro ainda”, fala, enquanto recorda de um detalhe curioso: a tesoura usada para cortar a fita foi emprestada de sua família. A tesoura ainda existe e está guardada na prefeitura de Arroio do Meio. Diz que tem curiosidade de vê-la.
Com a construção da ponte, a barca perdeu o sentido. O patriarca Nicolau já havia falecido e a família passou a se dedicar exclusivamente ao cultivo da terra. Com o passar do tempo a grande área foi partilhada entre os cinco irmãos.
A ligação com Lajeado impulsionou o desenvolvimento do município como um todo e a Barra também se modificou. Hoje as irmãs sentem falta de um comércio nas proximidades e relatam que até os horários de ônibus diminuíram.
A restauração
Adiles e Geselda, ambas solteiras, sempre residiram na casa paterna, a mesma que pertenceu aos avós. No ano de 2018, o sobrinho Sandro Benoit, promoveu uma restauração total no imóvel que estava castigado pelo tempo e pelos cupins. No final do ano as irmãs retornaram à casa, que também recebeu mobília nova. Hoje, há quase um ano na “nova casa velha” ainda se percebe o contentamento com a restauração.
O período de restauro, sete meses, no entanto, não foi tão fácil. Acostumadas à atividade junto à propriedade, tiveram dificuldades para se adaptar à vida no apartamento em que residiram. Mesmo tendo todo o conforto possível, em Lajeado, sentiam falta de se movimentar, de mexer na terra, de estar entre os vizinhos.
A volta para casa foi uma grande alegria. Hoje mostram com orgulho o imóvel todo restaurado. As características originais, em estilo enxaimel, foram preservadas. Foram feitas apenas pequenas modificações para dar mais conforto e comodidade para as irmãs que vivenciaram uma época que as gerações mais jovens sequer imaginam.
Criadas na Barra do Forqueta, são testemunhas do quanto Arroio do Meio cresceu nas últimas décadas. E garantem que nunca quiseram morar em outro lugar. Ainda mais agora que a casa que guarda a história de Nicolau Käfer e seus descendentes está mais linda do que nunca.