A paisagem contemplada diariamente pelo casal Ivo, 87 anos e Nelly Gabriel Bruxel, 81 anos, da janela da casa localizada na Forqueta Baixa, não mudou muito ao longo dos anos: a estrada defronte à casa ainda é de chão batido. Ao redor, muito verde, sombra, pássaros, ar puro e uma tranquilidade típica do interior.
Ivo Cristiano Bruxel é natural de Linha 32, Arroio do Meio, nasceu em 25 de junho de 1932. Filho de Emílio e Paulina Catarina Scheid Bruxel, é de uma família de oito irmãos. Do período que morou em Linha 32, guarda boas lembranças, numa época em que, junto com os irmãos, trabalhou na roça, visto que o pai tinha uma grande área de terras e havia trabalho para todos. Plantavam milho, soja, mandioca, faziam chimia, criavam porcos e os vendiam para o frigorífico Ardomé.
Em 1947, aos 14 anos, seguiu para o seminário de Gravataí. Esta, sem dúvida, foi uma mudança profunda em sua vida. Distante de casa pôde dar continuidade aos estudos, conhecer e fazer amizade com jovens de diferentes cidades. Só visitava a família nas férias. No seminário concluiu ginásio e colegial e prestou vestibular para Filosofia, foi inclusive colega do bispo Dom Sinésio Bohn. No momento decisivo, foi aconselhado pelo reitor do Seminário, a preparar-se mais um pouco. O próprio reitor escreveu uma carta aos pais e em Arroio do Meio o pároco Monsenhor Seger a reescreveu em alemão, já que a mãe não sabia ler em português. Naquele momento teve o apoio da família e decidiu deixar o seminário. “Sinésio foi para Roma, e eu retornei para a casa paterna”, costuma brincar.
Assim, aos 23 anos, nove dos quais passados dentro do seminário, retornou para Arroio do Meio. De imediato foi procurar trabalho. Era um homem feito, de boa família e precisava se estabelecer. Foi contratado pela Associação Rural de Arroio do Meio, uma espécie de agropecuária.
Conheceu Nelly Gabriel, natural de Forqueta Baixa e casaram-se em 8 de novembro de 1958. A essa altura, os pais de Ivo, seu Emílio e Paulina Bruxel, tinham vendido a propriedade de Linha 32 e adquirido uma área menor, na Dom Pedro II onde Otmar, outro filho do casal, residia e trabalhava na agricultura. Ivo e Nelly, nos primeiros dois anos, moraram com Emílio e Paulina e depois construíram a própria casa nas proximidades.
Ivo permaneceu na Associação Rural até 1965, quando abriu um comércio em Forqueta Baixa, em sociedade com o cunhado Mário Gabriel, que possuía uma área de terra. A localidade carecia de um armazém e a instalação facilitou a vida dos moradores. Comercializavam quase de tudo, desde remédios, tecidos, chinelos, porcos e galinhas e, em contrapartida, compravam as mercadorias que eram produzidas pelos fregueses e moradores da localidade. Forqueta Baixa tinha uma população considerável na época. A média de filhos por família era de 8 a 12. Em determinada época, a escola General Osório chegou a ter 107 alunos, vindos inclusive de Banhados, Treze de Maio, Barra do Forqueta e Rui Barbosa. Todos vinham a pé.
Na casa comercial estava instalada a única linha telefônica e, embora fosse particular, servia para toda a comunidade. Por vezes, no meio da noite, Ivo ou um dos filhos, precisava sair às pressas para chamar algum vizinho ou transmitir recados, em casos mais urgentes. Nelly cuidava da casa e das crianças e atendia no armazém. Com frequência Ivo se ausentava para auxiliar no carregamento de suínos. Naquela época quase não existiam roupas prontas. Talvez uma ou duas casas de comércio dispunham de artigos prontos, que eram muito caros. Por isso, os rolos de tecido em metro oferecidos no armazém, encantavam os olhos da freguesia, principalmente, moças e mães. Nelly tinha mais um dom, a costura, que se transformou em um ofício. Além de costurar as roupas para a própria família, tinha sempre muitas encomendas.
No período em que residiram na Dom Pedro II, já havia luz elétrica na localidade, mas na Forqueta Baixa, a energia ainda não havia sido instalada e também não havia água encanada ou cisterna, e as roupas eram lavadas numa lagoa próxima. Somente dois anos depois, em 1972, que a localidade passou a contar com este conforto. Segundo dona Nelly esta foi a parte difícil da mudança, tinha filhos pequenos e já estava habituada com a energia elétrica.
Ivo e Nelly tiveram oito filhos. Todos foram conduzidos inicialmente para a escola General Osório na localidade e depois deram prosseguimento aos estudos no Centro, se deslocando a pé. Desde muito cedo ajudaram no armazém, nos afazeres domésticos, na roça que cultivavam e, na medida em que cresceram, foram trabalhar na cidade.
Delmar, Sônia, Danilo, Dilnei, os gêmeos Nilse e Nilvo, Clério e Fábio, sempre foram muito unidos. Um dos orgulhos da família foi a eleição e a reeleição de Danilo Bruxel para a prefeitura de Arroio do Meio. Ivo não esconde a alegria e até se emociona ao falar da relação com os filhos. “É algo admirável, é tão bom perceber que são unidos, se gostam, há muito respeito entre eles, e também da maneira que nos tratam, se preocupam com a gente. Faz mais sentido comemorar os anos de casados olhando a família que se constituiu”. Tal sentimento era evidente quando, em 2008, o casal comemorou Bodas de Ouro numa grande festa no salão da comunidade que fica logo ao lado da casa dos Bruxel e mais recentemente, em 2018, ao completar 60 anos de casados, as Bodas de Diamante, quando os filhos organizaram uma festa na casa dos pais.
A trajetória de vida do casal sempre foi guiada pelos princípios do trabalho, amor e respeito pela família, amigos e vizinhos. O envolvimento de Ivo com a comunidade sempre existiu, participando de diretorias, na escola, comunidade e, mais adiante, como sócio-fundador do Grupo de Idosos Todos Unidos, fundado em 1995, e do qual atualmente é presidente.
Quando perguntado se, em algum momento da vida, teve vontade de residir em outro lugar, confessa que não. Em determinado período, a esposa até sugeriu e, hoje, de forma alguma, sairiam. A casa é o reduto da família, local onde filhos, netos e bisnetos se encontram. Durante a semana, o casal recebe a visita de filhos e netos e, nos finais de semana, a circulação é mais intensa.
A família cresceu bastante. Além dos filhos, hoje são 18 netos, 10 bisnetos e mais um está a caminho. Datas especiais, como o Natal, são comemoradas na casa de Ivo e Nelly e cada ano um dos filhos é responsável pela preparação da festa. Com tantas crianças na família, o Papai Noel sempre faz uma visita surpresa.
O tempo passou e quase tudo mudou. Muitos amigos se foram, as amizades cultivadas ao longo de décadas, permanecem e se fortificam, a cumplicidade entre o casal se renova a cada novo dia. Ivo acorda por volta das 6h30min para preparar o chimarrão, que já está pronto quando Nelly acorda. Às vezes, depois do café, jogam carta e, em seguida, Ivo lida com a pequena horta onde planta mandioca e feijão, e segue depois para a cozinha onde auxilia a esposa no preparo do almoço. Após o almoço, um cochilo é sagrado. Feito isso renova o chimarrão para depois iniciar uma nova rodada de carteado. Enquanto isso, o cachorro Peludo faz companhia.
Participam do grupo de idosos, porém não frequentam os bailes da terceira idade. Ivo nunca fez carteira de habilitação ou possuiu um veículo. Quando era proprietário da casa comercial, eram tempos difíceis então o dinheiro era curto e reinvestido ali. O tempo passou e os filhos e até os netos, foram adquirindo automóveis e não viu mais necessidade em ter um para si. Sempre que precisa pode contar com um familiar.
Nos quase 30 anos em que possuiu armazém na Barra do Forqueta – as atividades foram encerradas em 1994 – Ivo Bruxel foi agente do jornal O Alto Taquari, sendo responsável pela renovação de assinaturas, bem como pela distribuição. Praticamente todos os moradores eram assinantes, alguns retiravam o jornal no próprio comércio e muitas crianças, na volta da escola retiravam os exemplares e os levavam para casa.