Dia desses contei aos colegas de trabalho – todos bem mais jovens – que há 30 anos pedi licença ao meu sogro para namorar sua filha. Depois fiz o mesmo para noivar e finalmente para casar com a dona Cármen, a gerentona lá de casa. A gurizada se dobrava de tanto rir. Diante da minha seriedade, porém, me acusaram de mentiroso, “embusteiro”, como costumam dizer no jargão militar, típico deles.
Eu já previa esta reação. Reflita comigo, prezado leitor: deve ser quase impossível, para os jovens, imaginarem as relações afetivas de antigamente. Dizer que “quarta-feira era dia de sofá” não faz sentido algum para eles. A exceção acontece quando um cinquentão/sessentão está no recinto e ouve esta expressão. Do contrário me chamam de louco, afinal, quarta-feira é dia de assistir ao futebol, tomar cerveja artesanal com amigos, meditar ou discutir cardápios vegetarianos/veganos.
Seu Pedro, meu sogro, aos 89 anos, mora conosco. Caminha duas horas todos os dias, lê todos os jornais, ouve notícia no rádio e possui uma memória antiga prodigiosa. Mas é incapaz de lembrar o placar do jogo que acabou há minutos na tevê. Vez por outra, “intico” com ele sobre a “fiscalização rigorosa” que impunha às duas filhas.
-Não lembro disso, meu querido genro! – responde, apesar de recordar do nome, idade e profissão de amigos que reencontra pela rua.
Comparar épocas é temerário,
gera equívocos e injustiças
Ir ao cinema, tomar um chope ou sair para jantar eram programas sempre acompanhados pelo meu cunhado, fato comum na minha época de namoro. O “chá de pera” era onipresente. O segredo era fazer agrados ao “fiscal”, pagando refrigerantes e cachorros-quentes, ou dando uma “gorjeta”. Afinal, a boa convivência garante a sobrevivência.
Comparar épocas é temerário, gera equívocos e injustiças, mas a liberalidade de costumes choca meus contemporâneos. Crianças com 11 ou 12 anos, donas de celulares de grife e com namorado fixo são cenas corriqueiras em tempos onde todo tipo de conteúdo invade a nossa privacidade via smartphone.
No meu tempo, cometíamos pequenos delitos. Aprendi a dirigir no trecho Arroio do Meio – Palmas. Todo o final de tarde, esperava o velho Giba chegar do trabalho. Com 16 anos levei meus avós a Porto Alegre no Dia de Finados. Ao entregar as chaves do Corcel, meu pai me olhou fixamente. Com aquela voz de tenor sentenciou:
-Tu sabe o que fazer. Confio em ti. Boa viagem!
Fui e voltei sem problemas, respeitando os limites de velocidade, mas com muito medo do que poderia acontecer. Distribuir funções e cobrar responsabilidade transcende gerações. Com maior ou menor liberdade é preciso ficar atento a tudo que cerca os filhos. É uma missão interminável, mas prazerosa.