Quando era menino, o apito que anunciava o trem e o movimento da estação de Santa Bárbara do Sul eram rotineiros para o jornalista e empreendedor de turismo Alício de Assunção. O pai era ferroviário e foi na estação que Alício, ainda na adolescência, na década de 1970, expandiu uma de suas paixões: o jornalismo impresso. Com o dinheiro dos pasteis que vendia, comprava o exemplar da Folha da Tarde do dia anterior por metade do valor. Ávido por informações, lia tudo, das notícias de economia aos esportes.
O tempo passou e o trem perdeu a preferência no transporte de passageiros. As estações foram ficando cada vez mais vazias e, hoje, os trens que ainda percorrem os dormentes do Rio Grande do Sul se restringem ao transporte de cargas ou poucas viagens turísticas. Da época em que eram sinônimo do progresso, ficaram boas lembranças. E foi para resgatar essas lembranças e imortalizar esse capítulo da história do Estado, que Alício montou a exposição fotográfica itinerante Nos Trilhos do Rio Grande.
Com 80 fotos, a exposição já percorreu vários municípios, como Lajeado, Colinas, Muçum, Bagé, Cacequi, Ijuí e sua terra natal, Santa Bárbara do Sul, onde o município organizou um evento especial de abertura. O acervo foi fotografado pelo jornalista em diversos momentos. Alguns trechos de ferrovias e estações foram visitados de carro, enquanto que outros foram a pé ou de trem. O resultado é uma coletânea de cenas que mesclam emoção, alegria, beleza e abandono.
Em 2019, Alício e os amigos Lélio Paulo Schauren e Astor Gross (falecido recentemente) caminharam 110 km pela ferrovia do trigo, entre Estrela e Guaporé, o que rendeu belos registros. Também no ano passado teve o privilégio de percorrer 1300 km a bordo um trem com quatro vagões puxados pela maria-fumaça Malet, fabricada em 1950, pertencente à Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF) Regional de Santa Catarina. Um dos vagões – restaurante e dormitório – foi fabricado em 1925 e acomodou o presidente Getúlio Vargas numa viagem do Rio Grande do Sul até São Paulo, em 1932. Na época, era um vagão muito luxuoso, com suíte e espaço para refeições e, por isto, foi preservado pela ABPB.
A ação integra uma série de viagens demonstrativas da operadora Rumo. Alício foi o único jornalista convidado e passou aproximadamente 14 dias intercalados dentro do trem fotografando desde a paisagem, até o estado de conservação das estações e trilhos e a emoção das pessoas ao ouvirem o apito da maria-fumaça chegando. “Através destes registros muitos ferroviários conseguem ver como as estações estão nos dias atuais e se emocionam ao lembrar tudo o que viveram ali”, conta, salientando que a exposição é feita com recursos próprios. A exceção fica por conta da participação nas viagens demonstrativas, feita a convite da Rumo, que incluía alimentação e pernoite a bordo. “Desenvolvo esse trabalho porque gosto. Sinto gratidão por meu pai ter sido ferroviário e pela estação ter me dado o primeiro emprego e instigado o gosto pela leitura que se transformou na experiência como jornalista. Além disso, é uma forma de manter viva a memória das ferrovias, que têm e tiveram uma importância incrível no Estado, seja no transporte de cargas ou de pessoas. Muitos imigrantes só chegaram aos seus destinos através das ferrovias”, observa.
Na passagem do trem, Alício pôde comprovar que o saudosismo está mais presente do que imaginava. “As pessoas ficavam esperando o trem passar. Algumas choravam de emoção. É um misto de retorno ao passado, vivenciando de novo um tempo que não volta. Algumas pessoas viveram o período em que se viajava de trem, enquanto que os mais jovens têm a oportunidade de conhecer uma parte importante da história, que impulsionou o desenvolvimento de muitas regiões”.
A repercussão da exposição tem sido melhor do que a esperada. Neste ano, além de já ter a confirmação para vários municípios as fotos devem ser expostas também em Santa Catarina.
Descaso
Nas andanças para registrar as ferrovias e estações, Alício tem se deparado com cenas nem sempre agradáveis. Diz que o desmonte do sistema ferroviário iniciou com a privatização, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Muitos trechos e estações estão desativados ou abandonados e é impossível de chegar de trem. A estação de Santa Bárbara do Sul é uma das que o jornalista não pôde chegar de trem. “É uma pena. Viajei muito de trem quando era jovem”.
Por outro lado, nas regiões em que o transporte de carga é mais utilizado, como entre Cacequi e o porto de Rio Grande, a malha ferroviária está bem conservada, permitindo que o trem se desloque a uma velocidade média de 60 km/h. Nos demais, a velocidade não supera os 25 km/h.
Para Alício, cada região tem suas belezas naturais e seus atrativos e vê que o transporte de passageiros só pode voltar a ocorrer de forma turística. Considera que o Vale do Taquari é a região mais organizada e com estrutura em condições de ter um roteiro turístico.
Roteiros percorridos nas viagens demonstrativas – Vacaria até Roca Sales, Guaporé a Colinas, Paverama até Triunfo, Triunfo a Cruz Alta, Santo Ângelo a Ijuí, Cruz alta a Santa Maria, Santa Maria a Bagé. Ainda há uma série de ferrovias e estações que Alício pretende fotografar. As fotos vão sendo agregadas à exposição.


