Na escola, a matemática é uma disciplina controversa. No dia a dia ela está presente em praticamente tudo. E na questão da pandemia ela também tem uma participação importante. Os números não dimensionam apenas os contágios ou mortes, mas são fundamentais para que as autoridades em saúde tracem estratégias de enfrentamento. O professor José Ambreu Diedrich, que por 17 anos se dedicou ao ensino de matemática na rede municipal e estadual, e há seis atua na Coordenadoria Regional de Educação (CRE) fala sobre a importância da disciplina no cotidiano e na situação que o mundo enfrenta.
AT – O senhor acredita que as pessoas percebem como a matemática está presente em várias questões do dia a dia, inclusive na área saúde?
José Ambreu Diedrich – Essa é uma questão muito simples de responder, dado os fatos estarem a comprová-la e, como diz um velho ditado: “contra fatos não há argumentos”. Infelizmente são poucos que têm a capacidade de enxergar a matemática nos afazeres do dia a dia. Esse é um processo histórico, uma vez que as instituições de ensino e aprendizagem onde a escola se inclui (mas não apenas ela) sempre priorizaram os aspectos formais da matemática – a matemática como núcleo duro, como ciência exata, como algoritmo, entre tantos outros. São aspectos importantes? Sem dúvida! No entanto, a matemática vai muito além disso. Ela traz na sua essência aspectos coloquiais, informais, familiares, sociais negligenciados na escola e universidade. Mas, eles estão lá, especialmente na área da saúde. Quando um médico receita um remédio, quando a farmacêutica diz o intervalo de tempo entre o uso do remédio, quando os governantes redigem um decreto de isolamento social, estão usando a matemática. Entretanto, o médico não diz que está receitando tal remédio porque a regra de três, presente no exame, assim o determina, a farmacêutica ao dizer os intervalos de tempo no uso do remédio, não fala de função de primeiro grau, de segundo grau, ou até exponencial, os governantes em seus decretos ainda que falem em dados estatísticos, não entram em seus pormenores. Pessoalmente acredito que, a partir do momento que aceitarmos que a matemática vai muito além da sua formalidade (isso precisa começar nas escolas e universidades) ela passará a ser percebida pela pessoas, até por ela estar nos afazeres do dia a dia de todos nós.
AT – Também vêm da matemática os cálculos que norteiam os governos sobre quais medidas tomar. No início houve muitos estudos que apontavam cenários com grande número de mortos. O senhor poderia nos explicar como é este processo de formatar estatísticas e simulações, bem como sua importância e impacto na sociedade?
José Ambreu Diedrich – Aqui nós vemos exatamente a importância de se dar valor aos dois aspectos da matemática (formais e informais). Os dados estatísticos formais são imprescindíveis para a tomada de decisões (mais informais) na prevenção de mais contágios e mortes. Peguemos um exemplo da nossa região. Temos municípios com menos de 2 mil habitantes e outros com mais de 50 mil. Duas mortes num município de 2 mil habitantes dá uma alta taxa percentual enquanto que num município de mais de 50 mil habitantes ela é bem menor. Se olharmos apenas os valores absolutos, temos duas mortes em cada município, no entanto os dados estatísticos são bem diversos. A formalidade da matemática é fria, mas é um indicativo para a tomada de decisões se olharmos a região como um todo. O governante não pode esquecer que a vida, no seu dia a dia, é um processo orgânico (portanto não virtual) e que as pessoas circulam nos mais variados municípios. Vejam que a frieza dos números estatísticos é necessária na tomada das decisões coletivas dos mais variados municípios e regiões. Portanto, penso que a estatística fornece um indicativo para que se tome a decisão mais adequada nas mais variadas situações. Sem ela, os governantes tomariam suas decisões baseados em quê? Em achismos? Os dados estatísticos seguem normas científicas rígidas onde diversas variáveis tais como idade, nível sociocultural, aspectos geográficos, entre tantos outros, são levados em consideração. Penso que os aspectos formais da matemática fornecem dados, possíveis caminhos a serem seguidos para a solução do problema, mas ela não é a solução. Esta (a solução) está na correta utilização desses dados pelas nossas autoridades. Que Deus os ilumine nas suas tomadas de decisões!