Andei pensando a respeito do ditado “a ocasião faz o ladrão”, na preparação para o programa de rádio Sala de Espera desta semana. De cara foi fácil perceber que a frase dá pano pra muita manga…
Olhando o tema de um primeiro ângulo, fica fácil concordar que a ocasião faz o ladrão.
Pense que você está de dieta, sentindo aquela baita fome. Aí lembra da torta de chocolate na sua geladeira… Como resistir? Se a sobremesa não estivesse à mão, seria fácil, mas assim… É em experiências desse tipo que se apoia a justificativa para evitar más companhias… Lembra do caso dos adolescentes que botaram fogo em um índio adormecido? Foi na cidade de Brasília anos atrás, lembra? Pois é. Muito provavelmente, um rapaz sozinho não teria tido o mesmo ânimo. O fato de encontrar alguém dormindo na rua nem chamaria tanta atenção. Estar em grupo foi decisivo para o crime. A ocasião fez o ladrão.
Entre nós – é bom reconhecer – existe uma certa benevolência com quem avança o sinal, para proveito próprio. De algum modo, pode nos parecer que deixar passar a chance seria uma patetice. Havendo a oportunidade, a gente se sente até certo ponto autorizado a furar a fila, a colar na prova, a ficar com o troco errado, a apertar o vendedor de bergamotas, etc. Ou pense no seguinte: um caminhão tomba e deixa garrafas de vinho na beira da estrada. Você passa bem na hora. Leva ou não leva umas garrafas, já que não tem ninguém por perto?
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Por outro lado, dizer que a ocasião faz o ladrão constitui uma boa maneira de driblar a nossa responsabilidade e de passar a culpa adiante. No caso, botando a culpa no colo da… ocasião, claro. Aliás, nós todos gostamos disso. Gostamos de pensar que somos bons meninos e que a ocasião nos arrastou.
Neste sentido, vale observar a popularidade das frases onde o sujeito é indeterminado, ou seja, frases onde o responsável não aparece. Exemplo disso está presente em formas muito usadas, como”: “Diz-que…”, “Contaram que…”, “Estão falando que…”. Quer dizer, dá para passar uma fofoca adiante sem sujar as mãos – aparentemente.
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Interessante que aproveitar a ocasião para algo mais positivo nem sempre encontra a mesma boa disposição. Aparece a chance de contribuir com trabalho voluntário; aparece a chance de pegar aulas de inglês em um site, ou de acompanhar instruções para atividade física; há incentivo para separar o lixo doméstico ou para ceder a vez para quem tem muita pressa, etc, etc. e a gente faz o quê?
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Pensar no assunto traz também a ideia de mudar o enfoque do ditado. Fica aí o desafio de achar uma saída mais honrosa. Tipo: a ocasião faz o cidadão ou a ocasião traz melhor opção… O que mais?