A pandemia é uma dura lição de democracia para toda a humanidade. O vírus, que surgiu na China e espalhou-se mundo afora, ignora sexo, idade, religião, ideologia ou raça. As tragédias familiares se alastram. A doença, que no ano passado parecia distante para muita gente, é uma realidade implacável a ceifar vidas aos milhares diariamente.
Pensei nisso durante a minha ida ao Posto de Saúde Modelo, em Porto Alegre, na última sexta-feira, para receber a primeira dose da vacina da Fiocruz. Homens e mulheres se desdobravam em gentilezas para organizar a fila, acomodar os sexagenários sob as árvores naquela manhã de temperatura agradável e sol a pleno. O clima era de esperança, otimismo.
À espera da minha vez, imaginei o longo caminho que culminou com a aplicação indiscriminada, a partir dos mais idosos e trabalhadores de categorias mais expostas. Tudo se iniciou quando um cientista se debruçou sobre o terrível vírus, impondo um desafio inédito que exigia precisão e rapidez. Inúmeros testes, seguidos de inevitáveis frustrações se seguiram a novas tentativas, repetição de resultados insatisfatórios para finalmente chegar-se à composição ideal para disseminar esperança para conter o morticínio que já dura um ano.
Sem solidariedade não teremos tão cedo
mudanças para o retorno à vida “normal”
Os cientistas, o Sistema Único de Saúde (SUS), as autoridades, aqueles que transportaram as doses, organizaram os pontos de imunização, preencheram as carteiras de vacinação e garantiram a higienização dos locais formaram um exército de abnegados que democratizou a imunização. Milhões ainda sonham com o antídoto que garante, em prazo ainda desconhecido, o retorno à convivência social.
As polêmicas causadas pela vacina não reduzem a expectativa das pessoas. Na fila da vacinação pude flagrar sorrisos, brincadeiras entre estranhos e um sem número de manifestações de agradecimentos. Um senhor vibrava como se tivesse feito um gol, dando socos no ar. Na outra extremidade da fila uma mulher grisalha fotografava a tudo e todos, espalhando simpatia. O clima de confraternização era evidente.
Talvez a pandemia tenha o condão de resgatar a solidariedade geral que muitos já praticam no anonimato. Quem sabe os países possam unir tecnologia e conhecimento para acabar com a miséria. Mesmo parecendo ingênuo tenho visto ao longo de um ano e pouco que “a dor ensina a gemer”. E a dor do mundo fez a empatia salvar milhões de vidas. Dia 16 de julho, ao tomar a segunda dose, terei nova prova que o ser humano pode, sim, ser melhor e mais solidário.
Não acredito que a tão esperada “normalidade” retorne tão cedo. O incrível e misterioso vírus chinês – cuja origem a Organização Mundial da Saúde não teve coragem de investigar a fundo – além de ceifar milhões de vidas desenvolve cepas variadas. Todas graves. Sem solidariedade não haverá mudanças em nossa rotina. Ao menos não tão cedo.