É ao lado da Avenida 10 de Novembro, aos fundos de um moinho antigamente movimentado pelas águas do Arroio Travesseiro que o porto-alegrense e historiador Francciesco Disconzi, 33 anos, aplica todos os conhecimentos adquiridos pela família de marceneiros, ferreiros e torneiros, para renovar sua moradia, que foi construída no final dos anos 50.
Francciesco cursou artes gráficas no Senai, já foi impressor offset, tipógrafo, além de acabamentista (encadernador artesanal). Teve uma breve passagem pelo setor de ações humanitárias, vinculado ao trabalho de missões desenvolvido entre entidades filantrópicas que apoiavam vítimas de conflitos civil-militares na América Latina e é professor da área de ciências humanas, formado em História, acadêmico e entusiasta da área de tecnologia em ensino.
A paixão pelas antiguidades e os ofícios da família de origem italiana como a carpintaria e ferraria antiga, fez com que Francciesco investisse, em 2021, todas as suas fichas na restauração de produção artesanal de peças antigas, sejam elas de madeira ou outros materiais como vidro e metal.
O interesse em restaurar uma casa antiga no centro de Travesseiro, surgiu após uma indicação de uma amiga da cidade. Francciesco, na época, tinha sido contratado pela prefeitura de Marques de Souza para atuar como diretor da Escola Municipal Carlos Gomes e estava procurando uma casa para alugar e morar. “Este foi o local que encontramos. Como a casa era antiga e tenho a paixão por restauração, fiz um acordo com os proprietários e iniciei a reforma interna da casa”, explica.
Até o momento já foram restaurados o chão, paredes e teto, todos de madeira. As janelas também serão retiradas e revitalizadas. O processo mais trabalhoso ocorre na retirada da pintura antiga feita com resinas mais densas e pigmentosas que exigem uma preparação mais cautelosa com as lixas e escovas metálicas para evitar o comprometimento da madeira. “É um trabalho minucioso que exige o cuidado para manter a qualidade da madeira e a estética da pintura e isso leva tempo”, diz.
Consultando alguns registros históricos, Francciesco estima que a casa tenha aproximadamente 80 anos de construção. Os antigos proprietários acreditam que ela tenha sido usada por trabalhadores do moinho, utilizado para moagem de grãos. São três quartos, uma sala, cozinha e área de frente para o arroio Travesseiro. “Era muito comum a sociedade se instalar e organizar assim. Residências atrás das empresas, mas construídas de frente para rios ou arroios”, descreve.
Essa é a segunda casa que o artesão e professor restaura. Uma das maiores dificuldades, segundo Francciesco, está nos cuidados de cada detalhe e na reposição de madeiras de lei, que não podem ser comercializadas em madeireiras sem a devida autorização ambiental. Na antiga casa, foram encontradas madeiras das espécies peroba, louro gaúcho e angelim, usadas em sapatas e tesouras.
A pandemia também elevou os custos. Francciesco, que trabalha cada item manualmente, percebe o aumento de preços em itens como o ferro e maquinários, que dobraram com a falta de matéria prima e mão de obra, o que tem dificultado o trabalho de muitos restauradores.
MANTER A IDENTIDADE
Além de restaurar a casa que hoje é sua moradia, Francciesco utiliza um pequeno espaço no porão para restauração de itens antigos como mesas, cadeiras, placas, rodas e até mesmo moedas. “O meu desafio é de manter a identidade de cada peça, corrigir imperfeições e manter ela dentro do seu aspecto histórico ou até mesmo criar novos objetos a partir de antigos”, afirma.
A paixão por ofícios e técnicas antigas está sendo publicada e compartilhada em uma página no Instagram e Facebook (@DisconziArt). Os vídeos e imagens de técnicas são publicados semanalmente e fizeram com que a demanda por restaurações aumentasse, mas mesmo assim o artesão e professor prefere manter os “pés no chão”. “Meu espaço não é uma marcenaria, não é uma metalúrgica, não é uma vidraçaria, é de tudo um pouco. O objetivo aqui é de resgatar a história e manter a cultura de itens antigos e valorizados”, destaca.



