A pandemia despertou em mim uma nostalgia onipresente. Esta semana publiquei uma crônica sobre o hábito – hoje superado – de guardar fotos em caixas de camisa e sapatos. Recordar os eventos que cercaram aqueles flagrantes era ritual nas visitas à minha mãe, dona Gerti Jasper, em nossa Arroio do Meio. Hoje, lotamos celulares e computadores com imagens de todo tipo. Quem tem criança certamente tem dificuldade de arquivar. Apesar do enorme acervo é incomum olhar as fotos de outrora.
Hoje acordei com vontade de comer pão de milho caseiro com “schmia” – ou “schmier” – feita em casa. Minha infância na Bela Vista que sequer tinha ruas pavimentadas é recheada de recordações da solidariedade de vizinhos, parentes e amigos, base da nossa convivência.
A abundância de frutas em torno da nossa casa criou momentos inesquecíveis. Aromas estão presentes, conforme a estação do ano. Um dos trabalhos sagrados para a minha mãe consistia em “fazer schmia”.
A primeira tarefa consistia na colheita de peras, fruto onipresente devido à abundância. Recolhidas, as frutas eram lavadas no capricho pela dona Gerti e depois eram depositadas em balaios. A tarefa seguinte exigia paciência e habilidade: descascar a pilha de frutas antes de serem transformadas naquela maravilhosa geleia. Perdão! Confundir geleia com “schmia” é pecado imperdoável para um piá branquelo nascido e criado na colônia.
Depois da “Operação Descascar” as mãos da minha mãe ficaram escuras pelo manuseio das frutas. Ela aproveitava toda a fruta porque a casca extraída era muito fina. Herdei esta habilidade para devorar laranjas de umbigo no inverno!
A convivência com os vizinhos e amigos
forjou em mim o senso de solidariedade
O processo de “fabricação” propriamente dita começava com o dia ainda escuro. Toras de lenha eram acomodadas em uma redoma erguida de tijolos sobre os quais era acomodado o tacho. As peras eram colocadas sob o forte calor de um braseiro vermelho. Dona Gerti passava horas usando uma espécie de remo para manter a mistura homogênea.
– O segredo é manter o ritmo e não parar! – Ensinava com aquela voz baixinha.
O calor causava respingos daquela massa fervente que atingiam minha mãe, provocando bolhas nas pernas e nas mãos, mas ela não reclamava. Quase no final do dia, a lida terminava e a próxima etapa, com a mistura já resfriada, era em encher vidros usados, cuidadosamente higienizados, até a borda com aquela gostosura.
Parte da produção era acomodada na despensa da nossa casa. A maior parte, porém, era distribuída entre vizinhos e amigos, rotina semelhante quando do abate de um suíno e na colheita de frutas e verduras. Neste e em outros “eventos” da vizinhança, a partilha coletiva era marca de uma época muito diferente da “modernidade” e do egoísmo atual.

