Dia desses, na fila do caixa do supermercado, ouvi uma voz em indisfarçável tom de desabafo:
– Chegamos ao ponto em que talento já não serve para mais nada! A tecnologia vai acabar com todos nós… com todos os empregos. Agora veio essa tal inteligência artificial que faz de tudo, até escrever textos técnicos como se fossem redigidos por especialistas, cientistas!
Não me contive. Virei a cabeça discretamente e constatei que se tratava de uma mulher loira, bem vestida, com no máximo 30 anos. Enquanto guardava as cervejas no freezer fiquei matutando sobre o desabafo da guria. O tal ChatGPT virou a “coqueluche do momento” como diriam nos anos 60. É tema onipresente que suscita acaloradas discussões e exercícios de futurologia jamais vistos desde a chegada do homem à lua.
Antes da segunda cerveja – esta gelada e colocada dias antes – pensei no futuro que me espera. Aos 62 anos, diplomado na Escola de Datilografia Remington Rand do saudoso Jorge Vasconcellos, prefiro gastar energia cevando um bom chimas ou vendo futebol na tevê ou ainda diante da churrasqueira.
Quando a dita “inteligência artificial” dominar o mundo, estarei vendo toda a bagunça de outro plano, num lugar privilegiado e, tomara, dando gostosas risadas. Não acredito que teremos esta prometida “grande revolução” tão cedo. A inteligência humana – e também a estupidez, é preciso reconhecer! – ainda terá serventia por muito tempo.
Todos têm talentos únicos que o tempo não destruirá.
O fator humano será por muito tempo insubstituível
Mortais comuns, como eu, que apanham todos os dias da tecnologia, mas não perdem o sono por isso, desenvolvem mecanismos que permitem valorizar o nosso talento pessoal. Não se trata de ostentação ou de bancar o “exibido”, mas na minha profissão, ter a capacidade de “gerar conteúdo”- ou seja, escrever de forma inteligível – ainda é um diferencial.
Redigir textos, sobre os mais variados assuntos e nos mais diversos tamanhos, é minha rotina. Jovens e talentosos colegas dominam ferramentas tecnológicas e habilidade para transformar meus escritos em produtos atraentes. Seja para “vender ideias” para o Twitter, WhatsApp, Facebook, Instagram ou mesmo em jornais e revistas. Estou afiado pela rotina de escrever. Jornalista é um escritor que não pode depender de inspiração. Precisa ter dedicação, esforço, um mínimo de talento e gosto pelo ofício.
Certamente vocês, leitor e leitora, também são experts em alguma atividade. Mesmo que seja para cozinhar um ovo, fazer uma massa de pacote ou comandar uma equipe de cirurgia. Seu talento, experiência e capacidade são – e serão – insubstituíveis. O resto a gente ajeita.