Chegou em casa e viu o pandemônio à sua volta. Cortinas rasgadas, poltronas meladas por ovos espatifados. Na cozinha, pratos e copos quebrados amontoavam-se entre panelas furadas a pontaços de faca. Inacreditável! Desacorçoado dirigiu-se ao quarto onde, surpresa! Não havia mais cama. O colchão transformara-se em peneira de espumas. Meu Deus! Ela havia enlouquecido. O violão, velho parceiro, jazia em um canto, partido ao meio em sua alma de madeira nobre.
Conhecera a namorada através de um destes aplicativos de bate-papo. “Ela era espirituosa, apaixonada”, conta. Em prazo recorde, juntaram as trouxinhas. Tudo sempre tem uma urgência perigosa, a partir destes espaços digitais. Quando o calor da pele e as sensações, viram o fio dos sentidos, a paixão pode sofrer uma súbita e inesperada troca de máscaras, como no teatro da antiga Grécia, onde a embriaguez levava os atores a uma dança estonteante, permitindo a seus participantes a um perfil longe do moderado para, em êxtase se transformarem no que o script exigia.
Músico profissional, viaja muito e passa horas a fio em ensaios. Ela aceitou a rotina até descobrir que a banda dele tinha uma vocalista muito afinada e sexy. Aflorou um ciúme doentio. Do tipo filme de terror, estilo Louca Obsessão (do diretor Rob Reiner), em roteiro de Stephen King. O lado obscuro e malvado daquela moça que até então, era só fogo e paixão, agora lembrava a personagem de Kathy Bates, que literalmente queimava e prendia seu novo amor.
O universo das redes sociais, permite frases estudadas e uma realidade paradisíaca. Esconde, muitas vezes, o verdadeiro eu de seus protagonistas. Apenas depois do incidente, meu amigo soube que sua amante virtual sofria de profundas crises depressivas. Os avós da moça que a criaram, gente de boa índole, imploraram para não levar o caso à polícia. Assumiram os prejuízos. Aceitou desde que tivesse a chave do apartamento de volta. Aliás, trocou as fechaduras.
Sim, eu concordo, relacionamentos digitais podem dar certo. Temos o Tinder, o Badoo e outros ótimos para a frugalidade e encontros passageiros. Mas, para seguir adiante, algumas etapas presenciais devem ser avaliadas. Vai que uma doida, ou um maluco machista, predador de mulheres, surja logo após os primeiros beijos.
“Olho no olho, depois das imagens com filtro nas telas dos celulares, é fundamental antes de iniciar-se uma vida a dois” ensina esse meu amigo que, atualmente, vive no litoral catarinense. Os solos de guitarra ele ainda entrega sem restrições. Mas as parcerias românticas, só depois de muito ensaio. Vá que desafine logo adiante.