Enfermeiros, técnicos de enfermagem, auxiliares e parteiras de toda região e do país estão na expectativa pelo reconhecimento e valorização do piso da categoria em lei federal. A perspectiva é que os novos salários-base para classe passem a vigorar a partir de agosto. Na noite de sábado, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, recolocou na pauta a votação da derrubada da liminar que suspendia o piso, estabelecido pela lei 14.434/2022, que prevê salários iniciais de R$ 4.750 para enfermeiros, R$ 3.325 para Técnicos em Enfermagem e R$ 2.375 para auxiliares e parteiras. Ele havia pedido vistas em 15 de maio. Na véspera, em 14 de maio, o presidente Lula sancionou a lei 14.581/23 que abre crédito especial de R$ 7,3 bilhões no orçamento do Fundo Nacional de Saúde com recursos do superávit do Fundo Social. Os ministros do STF tem até o dia 23 para dar seu parecer. Ambas as leis foram sancionadas pelo presidente Lula em 14 de maio e por Jair Messias Bolsonaro em agosto de 2022. Em caso de pareceres favoráveis, a nova base salarial terá que ser implementada por estabelecimentos públicos, filantrópicos e privados em agosto.
QUASE QUATRO DÉCADAS DE LUTA PELO RECONHECIMENTO
As profissões foram criadas e regulamentadas em 1986 (lei 7.498/86), no entanto, a padronização salarial nunca foi estabelecida oficialmente. Em 2002 a pauta chegou a Câmara dos Deputados, mas não foi à votação. Durante o governo de Jair Messias Bolsonaro o assunto voltou a ser discutido no Congresso Nacional. A proposta inicial previa cerca de R$ 7 mil para os enfermeiros, 70% para os técnicos em enfermagens e 50% para os auxiliares em enfermagem e parteiras, para uma jornada de 30h. Entre maio e agosto de 2022, após negociações do Congresso com Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde, os vencimentos foram ajustados para uma realidade praticável e a jornada foi equiparada a da Consolidação das Leis do Trabalho – entre 40 e 44 horas. Também vetada a atualização monetária anual do piso da categoria com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Apesar dos ajustes, o projeto acabou sendo barrado pelo STF, por 7 votos a 4. Foi considerado inconstitucional pela falta de dotação orçamentária para o exercício de 2023. A decisão atendeu pedido da Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde), que teriam difidificuldades em realizar reajustes imediatos. Em dezembro de 2022, a Câmara dos Deputados aprovou, em dois turnos, a proposta de emenda à Constituição (PEC) para direcionar recursos do superávit fi financeiro de fundos públicos e do Fundo Social para fi financiar o piso salarial nacional da enfermagem no setor público, nas entidades filantrópicas e de prestadores de serviços com um mínimo de atendimento de 60% de pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Porém, não havia mais dotação orçamentária para inclusão no início do Exercício de 2023. A partir dos próximos anos o recurso da enfermagem entrará no Orçamento da União de forma permanente.
DESAFIOS DE GARANTIR UMA RENDA DIGNA E DISPOSIÇÃO PARA ATENDER BEM OS PACIENTES Ao longo das últimas décadas, uma das maiores classes empregatícias do país, com mais de três milhões de profissionais de caráter emergencial e essencial, que esteve na linha de frente no combate à Covid 19 – com pelo menos 4,5 mil vítimas –, sempre teve seus vencimentos salariais estabelecidos por acordos coletivos regionalizados. Realidade que trouxe inúmeros desafios e dificuldades para os profissionais. No Vale do Taquari, são mais de cinco mil profissionais que atuam em 23 instituições hospitalares, postos de saúde de 47 municípios e clínicas privadas. De acordo com o Presidente do Sindi Saúde-VT, Carlos Luís Gewehr, a maioria dos enfermeiros ainda está recebendo salários iniciais entre R$ 3,6 mil a R$ 3,8 mil e técnicos em enfermagem de R$ 2,2 mil a R$ 2,3 mil. A jornada também é desafiadora. Nos hospitais, os profissionais que atuam no período diurno, trabalham 6h diárias durante cinco dias por semana e 12h aos f ins de semana, de forma ininterrupta ou dividida. Já os profissionais que atuam no período noturno têm escala de 12h por 36h de descanso. A maioria dos técnicos de enfermagem precisa recorrer a duplas jornadas em mais de um estabelecimento para complementar a renda familiar. É o caso da profissional Graziela Canan Mallmann, 26 anos, moradora do bairro Universitário em Lajeado, que há dois anos atua na UPA em Lajeado no período da manhã e no Hospital São José em Arroio do Meio de noite. Além da desvalorização salarial, ela cita cansaço físico e psicológico, movimentação constante, preocupação, apreensão com a própria saúde para desfalcar a equipe ou de cometer erros por cansaço. “Lidamos com vidas. Não podemos errar. Somos considerados uma mão de obra barata, que trabalha muito e é pouco reconhecida. Investimos muito nosso psicológico para o cuidado com os pacientes e acabamos esquecendo de cuidar de nós mesmos. Infelizmente com um emprego, o salário que receberia, inviabilizaria pagar contas básicas do mês, como prestação da Minha Casa Minha Vida( ou aluguel), água, luz, gasolina, comida. Na fase mais crítica do Covid 19, fomos reconhecidos por alguns poucos momentos, recebendo parabéns pela nossa profissão e palmas, mas infelizmente isso não paga nossas contas. É extremamente cansativo ter dois empregos, uma jornada de 18h diárias. Mudança de cidade de um emprego para outro, poucas horas de descanso, e pouco tempo para ver família e aproveitar algum momento com eles. Inúmeras vezes profissionais de dupla jornada, perdem aniversários, Páscoas, Natais e até mesmo Ano Novo. Infelizmente, a Enfermagem tem uma certa ‘fama’ de sempre termos cara feia, cara fechada. Mas muitas vezes é porque estamos exaustos, cansados, preocupados e até mesmo pensando no plantão que acabamos de passar ou no próximo plantão que iremos pegar. Antes de profissional da saúde, somos seres humanos e também temos problemas pessoais. Penso muito no dia que sair o piso na folha de pagamento. Poderei ter um emprego, onde o salário irá pagar as contas e dará um alívio muito grande”.
OS IMPACTOS EM ARROIO DO MEIO E NO CONVÊNIO COM A UNIVATES
O Técnico em Enfermagem Renato Antônio Schmidt, que atua na Secretaria de Saúde e no Hospital São José, está contente com a valorização da categoria. No entanto, avalia que os repasses do governo federal não serão sufi cientes para equiparação ao piso. Na Secretaria de Saúde são três enfermeiros concursados, um CC e seis terceirizados por meio de convênio com a Univates e quatro técnicos de enfermagem concursados, dois CC’s e sete terceirizados. “Os concursados já recebem salários acima do piso e os CCs são bem valorizados por ocuparem cargos de chefia. A Univates já pediu um reequilíbrio fi financeiro no contrato, pois mesmo com os repasses do crédito especial, haverá um déficit de R$ 15 mil mensais. O maior desafio será cobrir o déficit do Hospital São José.” Atuam no Hospital São José da Divina Providência, 66 técnicos/as de Enfermagem e 25 enfermeiros/ as. Conforme a direção do HSJ, o impacto financeiro do pagamento do piso da Enfermagem ainda está sendo analisado. A instituição optou por não se posicionar ou se manifestar individualmente com relação ao tema, o que deixa a cargo das entidades que representam as direções dos hospitais.