Um dia desses o jornal trouxe matéria sobre a realização de encontro de antigos companheiros de quartel. Passados os anos, o grupo se reunia para recordar histórias.
Lendo a reportagem me dei conta da mudança. É possível que os mais jovens desconheçam o significado que o quartel um dia teve.
***
A confiar na minha memória, a coisa era mais ou menos assim: no ano em que completavam dezoito anos, os rapazes – só os rapazes, as gurias estavam dispensadas – os rapazes tinham de parar suas atividades e ir para um quartel do exército. Iam os que eram convocados. (Alguns, aliás, faziam o diabo para se esquivar do compromisso.) Também se dizia que eles iam “servir”. Na fala corrente ficava subentendido o complemento “pátria”. Ou seja, os rapazes iam “servir à pátria”. Isto queria dizer que passariam meses morando em alguma unidade do exército nacional, para aprender as funções básicas de um soldado. O que justificava o esforço era a ideia de que, se o Brasil fosse ameaçado, haveria um grande contingente de jovens prontos para a defesa.
Os rapazes da nossa região eram enviados principalmente para municípios da fronteira com o Uruguai, como Bagé, Livramento, São Gabriel, Quaraí, Don Pedrito.
***
Contavam-se muitas histórias do quartel. Não sei quantas e até que ponto eram verdadeiras. A maioria dava conta da dureza que os moços suportavam. Provavelmente os exageros colaboravam para garantir a simpatia geral. Para começar, todos tinham o cabelo cortado rente, à escovinha. Assim, quem “servia” era reconhecido sem precisar abrir a boca. A comida do quartel era sofrível. Circulavam causos de barata e outras coisas no feijão… A disciplina era implacável. Filhinho de papai se dava mal direto e os mais ingênuos sofriam trotes até aprender a se espertear. Para quem ousasse afrontar as regras havia punições e até cadeia. O quartel dava lições de hierarquia e disciplina. Tolerância zero.
O resultado é que ter servido valia pontos no currículo. O cara crescia na apreciação geral.
***
As estradas daqui até o quartel de destino eram ruins e as comunicações, precárias. A viagem demorava muito. Como consequência, ninguém pensava em vir passar o fim de semana em casa. Telefone quase não havia, de modo que telefonar também era difícil. Sobrava o correio, sobrava escrever cartas. Os rapazes escreviam; as namoradas escreviam; as famílias escreviam…
Seria muito interessante reunir cartas do quartel num livro. Teríamos um belo panorama dessa época que vai sumindo no andar do tempo.