Fico sabendo da realização de um congresso mundial – patrocinado pela ONU – para tratar do problema do tempo livre. Quer dizer, do tempo não ocupado por um trabalho formal. Minha nossa! Quem diria que tempo livre viraria problema? Na nossa infância, era o espaço mais precioso. Nunca suficiente. Mas, dá para entender. Dá, sim. A expectativa de vida aumentou e muitos permanecem aposentados durante
mais anos de que no seu emprego. Além disso, está em queda o número de horas semanais da jornada de trabalho e a ninguém ocorre a ideia de abrir mão de férias ou feriados.
Anos atrás a vida era mais puxada. Trabalhava-se mais horas e o fim de semana tinha duração menor. Sem tantos eletrodomésticos para ajudar, o tempo livre ficava tomado por limpezas, preparo de alimentos, etc. Quem tinha uma folga botava as mãos pro céu. Ia sentar na sombra e ouvir
os passarinhos. O tempo livre era de fato livre. A abundância do tempo longe do trabalho nos encontra
hoje prisioneiros das telas eletrônicas. Parece que não há outra maneira de ocupar as folgas. Não admira que até a ONU se preocupe. Estamos adoecendo de tanto atravancar o nosso
tempo livre.
Por isso mesmo é curioso constatar que há ações transitando bem na contramão. É o caso de uma nova febre, relatada no jornal de prestigiosa Universidade americana. Li essa matéria com os meus próprios olhos. Existe lá uma nova febre, que começa a se espalhar. Está ficando quase uma mania.
Nada mais nada menos do que isso: a mania de fazer tricô . Tanto assim, que o Centro Acadêmico da Universidade oferece cursos de tricô para iniciantes e para aqueles que já sabem um pouco mais. As justificativas para esse comportamento seriam várias. Dizem alguns que tricotar possibilita voltar a fazer
coisas práticas com as mãos. Parece que ocupar as mãos em atividades concretas virou necessidade. Vê só: a roupa vai para uma máquina; a louça, para outra; um robô tira o pó do chão. Fazer tricô seria quase um antídoto a esse costume de só pressionar botões. Tricotar representa a possibilidade de desenvolver um hobby barato, que, ainda por cima, pode ser praticado em grupo, abrindo espaço para o
bate-papo sossegado. Outros falam que descobriram no tricô um caminho para criar os presentes que querem dar para as pessoas queridas. Constatam que o tempo gasto com a confecção de uma peça valoriza muitíssimo aquilo que se dá. Quanto mais demorada a elaboração, mais valiosa a surpresa. Não
há jeito melhor de mostrar afeto do que tricotar durante semanas, ponto por ponto – dizem os apaixonados pela velha arte das agulhas, nesse surpreendente retorno. O que pensar deste mundo, onde precisamos redescobrir a roda?

