Gosto de ler jornais e de folhear revistas qualquer que seja o lugar em que esteja. Para além de obter informação, acho legal observar estilos e notar tendências. Por exemplo, os cadernos que os jornais encartam nos fins de semana na França são feitos no maior capricho. Têm um design bonito; muitas fotos e entrevistas; mostram o que é mais atual; anunciam aquilo que um dia vai ser imitado até lá no sertão. Por mais chiques que eles sejam, contudo, se a gente afastar o glamour, vai reconhecer ali a boa e velha queda pela fuxicagem. Sim, aquilo que nós fazemos de forma – digamos – de forma mais tosca, os jornais franceses vestem de requinte. As celebridades tomam conta do espaço das revistas e nós ficamos autorizados a lhes espiolhar a vida, no conforto sossegado dos domingos. Tudo muito fino. E por quantia módica.
Uma ponta puxa a outra. Foi exatamente lendo uma edição do Figaro Magazine, que me saltou à mente o livro da Eliane Brum. O contraste entre o livro e a revista não podia ser mais gritante. A Eliane Brum é jornalista, nasceu em Ijuí, trabalhou em Porto Alegre e agora vive na floresta, ao que dizem. O título do tal livro é “A vida que ninguém vê” (Editora Arquipélago). Ele reúne crônicas publicadas originalmente em Zero Hora. Cada página de “A vida que ninguém vê” apresenta uma pessoa que jamais seria notícia, não fosse o olhar da Eliane Brum puxá-la para a vida. Suas personagens passam léguas de distância dos lindos e felizes – estes que arrumam um sorriso “très agréable” para o fotógrafo do Figaro. A Eliane trabalha numa outra ala. Lida com gente como o Seu Adail, um carregador de volumes no aeroporto Salgado Filho, sem condições de realizar o sonho de andar de avião ele também. Gente como o cego Clodair que vende loteria numa esquina da Rua da Praia, ou como o mendigo aleijado que tem de pagar alguém pra ajudá-lo a proteger “o ponto”.
“A vida que ninguém vê” pode até dar um susto em quem estiver desprevenido. Sem cerimônia, o livro esfrega no nariz que há mais coisas entre o céu e a terra do que nosso olhar suspeita. Mostra que a bitola do costume faz uma seleção arrasadora. É possível tropeçar num elefante sem enxergar nada. Só avistamos, quando os óculos consentem.
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O que foi dito até aqui também pode incentivar umas perguntas.
Haveria outras minhocas neste caso, além da curiosidade rasa? Quero dizer. Por que será que gostamos tanto de seguir famosos – e olha que até podem ser os ilustres de curta validade, tipo esses criados nas estufas do Big Brother? Por que será que gostamos tanto de curtir famosos e de ignorar os não?
Será que contemplar os caras no gozo das delícias é uma tentativa de conquistar um assento nesse mesmo clube? Nem rugas nem rasteiras; nem perdas nem malogros – simplesmente um mar de rosas. E assim, como por contágio, garantir também para nosostros a felicidade full time que os famosos mostram? Será que é isso?