Encerro uma temporada de privações nos últimos dez dias. Perdi encontros bacanas como amigos. Por exemplo, a minha colega de AT, Ivete Kist esteve em Porto Alegre e não pude recepcioná-la com um expresso acompanhado, é claro, de croissants, entre as boas cafeterias da Capital. Nem mesmo atualizar as fofocas mundanas com meus parceiros habituais de bate-papo consegui. Algo parecido com um forte resfriado me jogou a um desânimo extremo. As palavras sumiram na rouquidão e, a inspiração para um bom texto, escapou entre espirros.
Confesso que tentei reagir e, no sábado, assisti um belo show acústico no Espaço 373. Um casarão antigo, com mais de 100 anos, no Bairro Floresta, em Porto Alegre, foi totalmente reformado para receber eventos artísticos. Recomendo muito. Desta vez, assisti ao Trio Violarada, com o músico Leo Henkin – do Papas da Lingua, Bruno Mad e Jader Cardoso, meu parceiro em algumas incursões musicais. No repertório canções do Leo como Calor da Hora, Blusinha Branca e outras. Curti muito, mas, ao chegar em casa, lá estava eu, outra vez, cantando apenas com os chiados da rouquidão.
As chuvas que devastaram nosso estado, também mexeram com a saúde de muita gente. Alguns com problemas respiratórios graves. Eu fiquei nesse desconforto, quase preguiça viral. Um amigo disse que eu estava com ar de cantor de tango. Pobre tango se isso fosse verdade. Lembrei a canção do Astor Piazzolla, “Los Paraguas de Buenos Aires”, que torna melancolicamente belas as chuvas de inverno.
Mas estou aqui, longe da capital argentina, assistindo a dança de guarda-chuvas contrabandeados da China. Nada chique! Sem bandoneón, se transformam em peças encharcadas, retorcidas ao vento. As pessoas, contrariadas, ensaiam coreografias esdrúxulas nas ruas, os abandonam em lixeiras, ou calçadas. Esqueletos de fino arame e alumínio que pouco, ou quase nada, os protegia, criando improváveis tapetes entre o preto e colorido das sombrinhas de vovó.
É muito diferente uma chuva das águas vindas via ciclone. Aprendemos essa diferença a base de muita tragédia. Mas vou encerrar por aqui. Escrevo defronte a uma janela onde, um pouco de sol, certamente negociado entre nuvens, me faz pensar com otimismo que, ao lerem esse texto, as fortes chuvas terão dado uma trégua para a reconstrução de moradias, ruas e bairros destruídos. E, em meu caso específico, que não receba uma mensagem da Jaqueline Manica pedindo correção de algum erro de pontuação, ou acentuação. Aí a depressão vence, com ou sem sol.