Conversei via WhatsApp com um amigo tiozão – veterano como eu – que desabafou o momento difícil que vive em seu casamento. Muitos anos juntos, ambos presos a uma história que se repete da mesma forma todo dia. E começa a incomodar. Permanecem sem alçar outros voos. Aí as mudanças climáticas, indiferentes às crises afetivas, obrigou-os a correrem para salvar o que fosse possível em uma casa que estão construindo na região das ilhas, em Porto Alegre. Ajudaram vizinhos, se endividaram muito e essa foi uma importante alteração na vida a dois. Estava resolvido, mas nada definido.
De volta a segurança do apartamento no Centro Histórico da Capital, voltaram às antigas fantasias de liberdade. Eu percebi, nas conversas com ambos, que um evita machucar o outro, como se houvesse um bloqueio que lhes impedisse retomar a intimidade de um romance. Meu amigo é ornitólogo, um veterinário que cuida de aves. E ele me diz que a relação deles lembra um casal de faisões, aves que mesmo em cativeiro, são criadas praticamente soltas. Nunca escapam porque uma delas está sempre presa ao viveiro. Por solidariedade, aquele que teria tudo para voar, permanece ali, ignorando o apelo da mãe natureza. Quem sabe esse princípio não seja igualmente a base de alguns relacionamentos entre humanos? Um solto e o outro preso. A parte livre não abandona o cativeiro por uma questão de lealdade. Ambos na verdade, presos. Enfeites do cotidiano: sacodem as penas coloridas das vaidades que, em outras palavras, os confunde entre as amarras. Muitos casamentos surpreendem, em sua longevidade, por essas arapucas em gaiolas de enfadonha resignação. Lhes assusta imaginar-se agarrados às grades finas dos viveiros, a implorar liberdade.
E em meio ao temor, não percebem que bastaria a um deles virar as costas e alçar um último voo para libertar seu fatigado par. Eu sugeri que, talvez, a insatisfação deles não fosse desamor, mas cansaço por uma agenda cotidiana repetitiva. Quem sabe não encontrassem outra ave como metáfora da vida a dois. Os cisnes, por exemplo, vivem uma única parceria a vida inteira. Quando um morre, o outro não busca nova companhia. Os casais cisne superam tudo quando alçam voos juntos Novos ares, projetos em sintonia e bem negociados. Insisti com essa proposta. Afinal mantinham uma relação sem dramas ou agressões, apesar da modorra e estagnação. Sozinhos, ou com novos pares mudariam? Insisti ao casal para que voltassem às ilhas, lá poderiam ajudar mais pessoas. Aceitaram a minha proposta e, hoje, estão junto à Defesa Civil em um trabalho árduo, mas fundamental para as comunidades atingidas. Enquanto escrevia esse artigo, a esposa me enviou alguns questionamentos. “Por que quando estamos em atividade o casamento renasce? Parece que ganha sentido?” Eu não coloquei nenhuma resposta, não sou psicoterapeuta de casais, mas deixei claro que, fosse eu, daria uma segunda chance a história a dois que vi crescer. Acontece que a decisão não está em minhas teses, nem na dos falcões ou outras lindas aves silvestres. Elas não sofrem por questões sentimentais, vivem presas a seu instinto de sobrevivência. E seguem juntas, uma apoiando outra. Entre humanos, isso pode resultar em admiração mútua, afeto e desejo. Então, ao trabalho. Voem juntos, mesmo quando um permanece protegendo o ninho.