Acabo de ler um belo livro. Trata-se de obra sobre a vida de Lupicínio Rodrigues, o grande cantor e compositor gaúcho. O título do livro é: “Lupicínio: uma biografia musical”. Foi publicado recentemente pela editora Arquipélago, de Porto Alegre. Quem escreveu foi o músico Arthur de Faria, o mesmo que fez uma extensa pesquisa sobre Elis Regina e assinou a biografia musical da cantora, publicada em 2015. Lupicínio Rodrigues é um legítimo caso de genialidade. Tinha tudo para não dar certo. Lupicínio nasceu na periferia de Porto Alegre, em 1914. Era filho de um modesto funcionário público. Foi o quarto filho mais velho em uma família de 21 irmãos. Sim, isto mesmo, vinte e um irmãos, na prole do mesmo casal: Seu Francisco e Dona Abigail Rodrigues. Como se pode imaginar, Lupicínio teve de trabalhar desde muito cedo e muito cedo assumiu responsabilidades de adulto.
Nunca teve oportunidade de estudar música, embora já compusesse desde os seus 14 anos. E, além de tudo, Lupicínio era negro. Isso, em uma época em que as dificuldades e as desconfianças eram muito maiores em relação a quem tinha ascendência africana. Outra coisa, Lupicínio nunca se mudou de Porto Alegre e, como sabemos, quem ditava a moda na vida cultural brasileira era o Rio de Janeiro – então era a capital do país – e São Paulo. Porto Alegre não tinha uma gravadora de discos sequer. Toda a indústria fonográfica estava localizada no centro do país. Pois bem, mesmo assim, Lupicínio Rodrigues estourou como sucesso nacional ainda antes da metade do século passado. “Se acaso você chegasse” é de 1937, “Nervos de aço” apareceu em 1939 e “Esses moços”, em 1948. A fama refluiu um pouco com o aparecimento da Bossa Nova e do Iê-iê-iê, na década de 1960. Em contraste com as novidades, o estilo de Lupicínio soava um pouco brega. Tornara-se chique cantar o luar, um barquinho, o azul do mar, em vez das tragédias amorosas, tão ao gosto de Lupicínio.
Agora, passados quase cinquenta anos de sua morte, ocorrida em 1974, é fácil notar que Lupicínio continua muito vivo na cena musical. Talvez até esteja agradando mais do que enquanto vivia. Suas músicas têm sido gravadas e regravadas por toda a sorte de intérpretes, também por cantores chiques como aqueles que ganharam fama a partir da Bossa Nova. Nara Leão, Gal Costa, Elis Regina, Gilberto Gil, Caetano Veloso, etc. As letras das canções assinadas por Lupicínio, que pareciam cafonas passaram a ser vistas com outros olhos. Hoje se reconhecem aí virtudes que, provavelmente, nem o seu autor imaginaria. Por exemplo, elogia-se o tom coloquial, esse jeito de cantar que imita o modo como se fala com alguém no botequim, um copo na mão, muitas garrafas vazias. Assim também, a liberdade para confessar sentimentos muito íntimos. De modo especial a “dor de cotovelo”, que é um dos temas mais presentes em toda a obra. Vale a pena conhecer melhor Lupicínio Rodrigues. E, se não fosse por outra razão, para reverenciar o autor do Hino do Grêmio Foot-Ball Porto-Alegrense. O hino que os gremistas cantam orgulhosamente, desde que Lupicínio o compôs no ano de 1953.

