O engenheiro Agrônomo Daniel Schmitz, especializado em gestão e planejamento ambiental conhece a bacia hidrográfica Taquari/Antas e suas 27 sub-braquiais como poucos. Por mais de uma década, representando a Univates, Acie e UCS, ele integrou e liderou a coordenação comitê que criou o plano de gerenciamento da bacia que por meio da portaria de recursos hídricos do Estado, promovendo fóruns de debate sobre bens ambientais, bens sociais e bens econômicos – o Parlamento das Águas. Um órgão de Estado vinculado ao Conselho Estadual de Recursos Hídricos e Secretaria do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, que deliberava sobre questões relacionadas ao uso dos recursos hídricos.
As enchentes históricas de setembro e novembro de 2023 trouxeram muitos questionamentos a respeito dos motivos e eventuais medidas que devem ser adotadas para minimizar catástrofes climáticas.
Schmitz observa que o volume de chuvas atípico que provocou as enchentes deixou diversas marcas e cicatrizes no leito do rio, como a depilação a mata ciliar. Segundo ele, os impactos estão relacionados a ocupação do solo rural e urbana nos 26,4 mil km/h² que correspondem a bacia, ao redor de 9% do território Gaúcho. “O rio atingiu tanta velocidade que arrancou até árvores de grande porte. A demanda ambiental vai muito além de recuperação, adaptação e manutenção apenas da mata ciliar”, complementa.
O agrônomo observa que a bacia é jovem em se tratando de eras geológicas e ainda está buscando seu leito. Ora busca novos caminhos, ora volta para antigos, o que é imperceptível para humanidade. Entretanto algumas alterações feitas pelo homem deixam as margens ainda mais vulneráveis perto da grandeza do rio. “Cada trecho do rio tem uma energia hidrológica, com comportamentos diferentes. Nos episódios de enchentes, em curvas de quase 90 graus a velocidade das águas cavocou o leito até a rocha. Tem locais que o rio devastou mais de 30 metros das margens. Onde não tinha mais mata ciliar ocorreram desbarrancamentos. Não é uma decisão humana. Queremos manter o vício de mudar o rio, mas não temos competência, poder e habilidade. Temos que nos adaptar. Em parte, erramos na análise dos últimos 50 anos. A estabilidade da margem é fundamental para fauna e flora. Mas a recuperação vai muito além de plantar meras mudinhas”, dimensionou.
O engenheiro explica que atenuação dos impactos da onda de elevação de uma enchente dependem de um conjunto de fatores que buscam o balanço hidrológico, para um escoamento mais brando, pois o rio é apenas uma calha por onde a água se desloca. O ideal seria com que a agricultura mantenha a água nas propriedades, com o máximo de permeabilidade do solo e ocupação urbana mais responsável, com infraestrutura adequada. Desta forma a liberação da água ocorrerá de forma mais cadenciada. “Existem ações técnica e economicamente viáveis. Mas as vezes as soluções estão em municípios da mesma bacia que estão distantes. Também é preciso conviver com momentos extemos que a nova era dos super El Niños nos apresenta. São milhões de litros. Por mais robustas que sejam as intervenções, elas não terão efeito sozinhas. Em muitas situações, a dragagem só vai aumentar a velocidade do rio. O financeiro não vai conseguir resolver sozinho”, esclarece.
Daniel sugere melhor uso dos sistemas de segurança e alertas. “A inteligência artificial permite ensaios sem inventar números. Todos temos um papel. Inundações sempre vão existir. Talvez até maiores. É preciso melhorar o planejamento urbano e rural, envolvendo todos os atores, independentemente das divisas, num estudo único e gestão participativa. Não há como os municípios substituírem o papel da União e do Estado. Perdemos tempo e dinheiro por não termos políticas adequadas”.
Ele observa que a civilização na região ainda é recente e não há um histórico claro do comportamento climático. Por outro lado, responsabiliza poderes públicos em serem negligentes pela falta de pro atividade no planejamento habitacional usando uma legislação ambiental acomodativa que traz um ônus coletivo imensurável. “Tivemos vítimas porque pessoas buscaram refúgio em locais inapropriados, em busca do último ponto de oxigênio. A beira do rio, berço da civilização, até pode ser transformada em espaço de convivência. Não podemos mais nos enganar depois de conquistar a maturidade ambiental. Todos somos responsáveis atuar nesta pauta preventiva permanente”, concluiu.
Foto: Arquivo Pessoal