Jane fixou os olhinhos na mãe e disse, com ar muito sério para uma menina de apenas quatro anos: “Se o Papai Noel não tem como me trazer um presente, diz para ele trazer depois. Eu não vou chorar”. Em seguida, saiu correndo para brincar com a nova turminha que havia conhecido na casa de familiares, na encosta da Serra. Bem ali, pertinho de Gramado, onde um mundo de fantasia atrai turismo para um Natal onde tudo é perfeito. Neve de isopor, trenós e renas de plástico e um Papai Noel para cada vitrine entre bochechas rosadas de chocolate quente e vinho.
E todo esse encanto ganhou vida quando a dinda de Jane veio buscar a menina para um passeio a esse lugar mágico. Por algumas horas, esquecia a lista de pedidos, a saudade do pai, que só via aos finais de semana, e de sua casinha simples na região das ilhas, em Porto Alegre. Os pensamentos ruins, com imagens tristes da enchente foram sumindo, aliviando uma angústia latente e bem justificável.
Durante o passeio, ela viu muitos outros brinquedos, bichos de pelúcia, casinhas de bonecas e joguinhos legais. Mas ao retornar para casa, abraçada nas bonecas Elsa e Anna, voltou a sonhar com o fofo Olaf e seu nariz de cenoura. Quem sabe Noel ajudasse seus pais e o colocasse junto aos presentes na árvore de Natal da família.
Mas na casa de Jane, a tradição de Natal era diferente: as crianças faziam os pedidos, os pais levavam ao Correio com o endereço do Bom Velhinho que autorizava a entrega do presente aos de bom comportamento e, sempre, dentro das posses da família.
Essa sempre foi a maneira encontrada para não deixar a situação ruim para nenhum dos lados. O problema é que as crianças muitas vezes não entendem o que é a crise econômica ou porque Noel não mobiliza sua fábrica de presentes para os mais pobres.
Na hora de despedir-se da tia, Jane não entendeu as risadas e troca de olhares de seus pais e tios. Ela quase esquecera seu pedido anotado. O domingo já embalava a noite quando o pai retornou para finalizar as obras da casa destruída pela enchente. A tia o acompanhou.
Jane, no colo da mãe, não percebeu que escondiam uma caixa de uns 30 centímetros, ainda desempacotada, de um boneco todo branquinho com nariz torto e bracinhos a imitar gravetos. O tão sonhado presente havia chegado pelas mãos de um desconhecido, alguém tipo amigo de um amigo, que soubera da tragédia familiar nas cheias.
Essa sim era a imagem real do espírito natalino. Um Papai Noel a repetir a trilha dos Reis Magos que presentearam o aniversariante mais ilustre de todo 25 de dezembro.