Acordei e meu quarto estava repleto de fantasmas. Eles riam, procuravam conversar, mas suas vozes eram um eco perdido entre quatro paredes. Minhas mãos estavam ocupadas em abraçar o fino tecido que os cobria. Esquálidos, um véu leve nos distanciava, mas eu não os alcançava. Tantos anos, tantas rotas não compartilhadas. Um encontro repentino não nos atualizaria as rotinas, fossem boas ou más. A vida de cada um tem seu preço e a independência é um caminho longo e tortuoso. As realizações, os fracassos disputam, lado a lado, um espaço fixo na agenda da sobrevivência.
Mas um dia, cedo ou tarde, as forças se perdem em uma vontade de repouso, de mais paisagens e menos estatísticas. E aqueles que levaram tudo na farra de uma falsa auto determinação se encontram com os que se excederam ou relaxaram nos compromissos cotidianos. Esgotaram todo o gás. Estão caídos e não lembram ninguém que lhes reponha a energia. Isso não existe, descobriram tardiamente. A vida agora está entre um passeio a Disney, Europa ou ao tratamento quimioterápico que lhes queimou o que restava de cabelos e independência.
Parece que foi ontem aquele baile de formatura, o chopp no boteco próximo a faculdade. Lá se juravam parcerias eternas. E hoje, o para sempre parece uma mala fechada por compromissos gerados em teses de doutorado, ou empregos sem nenhuma garantia. Ah! E mais os custos de pix para isso, aquilo, além do outro que te implorou uma ajuda única que se repete todo o mês.
Os músculos cansaram, a memória se foi e o verão é só calor, o inverno um frio de cobertores furados. Outono e primavera são netos que te acham um cara legal se não lhes faltar atenção. O amor tem seu preço e quem puder, que pague sem juros. É possível!
Aí, pouco antes de finalizar esse texto, um dos meus fantasmas mais divertidos, bate na janela para filosofar que amargura não compensa se a vida for vivida entre culpas e desculpas. Errar é um passo para o acerto e o correto pode ser ótimo para todos que te seguem no cotidiano, mas uma droga para ti, que ainda não se deu conta que os espíritos se auto determinam.
Sim, eles decidem, quando e como irão te pressionar para acompanhá-los em mais uma aventura. Igual aquelas nos dias de infância, só que desta vez, para sempre entre nuvens, ou montanhas de grama fresca. Será o momento único de não temer fantasmas, mas se integrar a eles. Sem medo de cruzar paredes ou janelas fechadas.