No dia 25 passado, se comemorou o Dia do Carteiro e me veio a dúvida. Quem ainda consegue escrever cartas à caneta, sem a facilidade dos teclados de um computador para expressar os mais sinceros e profundos pensamentos? Quem ainda tem em casa um bloco Aviador, com papel fino e macio para não pesar muito? Sim, as mensagens valiam pelo que pesavam. Quem aguardaria, pacientemente, por uma resposta à missiva, dependendo ainda de fatores externos, como a probabilidade de greve nos Correios? Agora o mundo se comunica por meio de aparelhos móveis. As mal traçadas linhas, meu amor, se perderam no amarelo do tempo, junto aos elegantes selos comemorativos que celebram datas ou figuras históricas.
Um sucesso da Jovem Guarda, depois relançado pelo Legião Urbana, “A Carta”, ou a famosa “Please Mr Postman” (Marvelletes, Beatles e Carpenters) hoje, quem sabe, se resumiria a um carteiro eletrônico, tipo o já quase em desuso e-mail, ou o Messenger do Facebook, além dos aplicativos Telegram e Whatsapp. Práticos, imediatos, permitem a substituição de palavras, frases inteiras por emoticons, aquelas ilustrações a exprimir sensações que muitos já nem sabem como descrever sem separar o sujeito do verbo.
Roberto Carlos, lamentava “Cartas já não adiantam mais, quero ouvir a sua voz”, hoje ele ouve tudo e, se for safadinho, pode sugerir um “nude” à amada. Avanços que também criam problemas. As cartas eram mais íntimas. Hoje as gavetas eletrônicas são devassáveis demais. Pero Vaz de Caminha seria criticado pela realeza, em 1500, por usar um “textão” ao anunciar o descobrimento do Brasil.
E se Caminha postasse nas redes sociais, entre elogios, é certo que receberia críticas implacáveis. “Descobriu o que?”, ou “Isso é uma manobra para desviar o povo dos verdadeiros problemas da nação”. O Rei Dom Manuel, o Venturoso, seria constrangido com desaforos, certamente. A namorada do nosso rei romântico, se enviasse a tal foto sensualizando, poderia cair nas redes por acidente ou maldade.
O que eu digo é que as cartas iam além dos relatos cotidianos. Carregavam um conteúdo afetivo, um certo cuidado no estilo. Sei lá, poderiam conter mentiras, devaneios, mas se filtrariam ou cairiam em contradição, talvez nas linhas seguintes. Escrever exige concentração e cultura.
Fossem dirigidas a um amante e, principalmente, uma conversa com amigos, sempre havia espaço para uma citação filosófica, hoje trocada à exaustão por “cards” de frases pretensamente edificantes, uma vã filosofia que, na maioria das vezes derruba o bom gosto, justamente por lhe faltar sinceridade.
A arte epistolar de escrever cartas, além de tornar textos valoriza a retórica sem obrigatoriamente ser um estilo romântico, ou confessional. Eu recebia várias cartas de amigos e amigas, que relatavam em riqueza de detalhes as situações cotidianas que enfrentavam e a noção de tempo ficava bem definida.
E esse tom, que mescla vivência e informação tornavam as cartas superiores, ao meu ver, aos nossos rabiscos digitados de hoje que, dificilmente virariam a prosa literária de autores como Ernest Hemingway ou Clarice Lispector (tentem adquirir o livro “Correspondências” com cartas da autora a outros escritores). Íntimas delícias!